Para chegar à Comunidade Indígena Três Unidos, a cerca de 60 km de Manaus (AM), é necessário navegar por 1 hora e 30 minutos pelo rio Negro. Desde 2023, esse caminho ficou mais longo por causa da seca na região.
Para pegar o barco que leva à pequena vila, os viajantes agora caminham por cerca de um quilômetro por um lamaçal com tábuas improvisadas em alguns trechos. Antes, esse chão era o fundo de um dos maiores rios da Amazônia. Um local onde nenhum ser humano caminhou, pelo menos nos últimos 120 anos, período para o qual se tem registro sobre o nível das águas. O trajeto do barco aumentou, pois é necessário desviar das vegetações de arroz selvagem que surgiram onde antes havia apenas água.
Os dois anos de secas históricas afetam também as empresas do Polo Industrial de Manaus, onde estão os maiores fornecedores de celulares, aparelhos de ar-condicionado, motos e outros bens produzidos na área incentivada.
Em 2023, a redução do nível das águas praticamente pela metade inviabilizou a chegada de navios aos portos de capital amazonense, causando desabastecimento de insumos e atraso na remessa de produtos.
Em 2024, os portos privados mudaram para um local mais distante de Manaus, onde chegam as grandes embarcações. As indústrias locais anteciparam a compra de insumos e o envio de produtos. Mas não sem terem de pagar a chamada taxa da seca, de até US$ 4.000 (mais de R$ 20 mil) por contêiner. Em dois anos, estima-se um custo de quase R$ 3 bilhões para a indústria local.
Os prejuízos também estão nas contas do líder indígena Raimundo Kambeba, dono da Pousada Canto dos Pássaros, na comunidade Três Unidos. Os barcos de turistas não conseguem mais chegar ao pequeno atracadouro na beira do Cuieiras, afluente do rio Negro, que está praticamente seco.
Para visitar o local, é necessário atracar em um ponto mais distante e caminhar por mais de 15 minutos pela praia surgida com a seca. Nem todos conseguem enfrentar a aventura. A dificuldade é a mesma para as crianças de comunidades vizinhas que navegam até o local, onde fica uma escola estadual.
O transporte entre as comunidades do Amazonas e também de Manaus para o resto do país depende de um sistema precário de navegação, sem a estrutura de hidrovia, que colapsou com a seca, causada por uma junção de fatores: prolongamento do El Niño (oceano Pacífico), aquecimento do Atlântico Tropical Norte, desmatamento e mudanças climáticas.
Augusto César Rocha, professor da Ufam (Universidade Federal do Amazonas) e coordenador da comissão CIEAM (Centro da Indústria do Estado do Amazonas) de Logística, afirma que o problema tornou mais urgente pavimentar toda a BR-319, em direção a Boa Vista (RO), projeto que enfrenta, há anos, dificuldades de licenciamento ambiental, mas que está nos planos do governo Lula (PT).
Rocha diz que “o verde é utilizado muitas vezes como uma desculpa para não se fazer nada”: não se protege o meio ambiente e também não se investe na melhoria da infraestrutura. Lembra que o frete de Manaus para Santos (SP), via cabotagem, é mais caro do que para a China. “O problema é a falta de infraestrutura, não é a distância.”
Régia Moreira, coordenadora da comissão de ESG do CIEAM, é uma das pessoas envolvidas na conexão entre esses dois mundos que dividem as beiradas da floresta. Ela tem buscado junto às empresas recursos para ajudar as comunidades ribeirinhas, que sofrem com falta de água e impossibilidade de pescar. Como empresária, também é responsável pela produção das embalagens de muitos produtos que saem da região, com matéria-prima de florestas geridas de maneira sustentável.
Para Virgilio Viana, superintendente geral da FAS (Fundação Amazônia Sustentável), entidade parceira da comunidade Três Unidos, um dos grandes desafios é engajar as empresas do polo industrial na agenda de redução do desmatamento e prevenção e combate a queimadas.
“As empresas do polo de Manaus têm que sair do discurso convencional, de arrecadar imposto e gerar emprego. Têm que ir um passo além e se engajar com a prosperidade dos povos da floresta”, afirma Viana, que traça um cenário de temperatura aumentando e estação seca mais prolongada nos próximos anos.
“Isso vai piorar. A floresta toda está habitada, e se essas pessoas não tiverem prosperidade, não vamos ganhar essa guerra. Por isso o nosso mantra é cuidar das pessoas que cuidam da floresta.”
O repórter viajou a convite do CIEAM (Centro da Indústria do Estado do Amazonas).