O projeto de Sam Altman (do ChatGPT) para criar uma identidade digital para pessoas a partir da biometria da íris viralizou no TikTok na semana passada. “Fui vender meu olho”, diz a legenda do vídeo gravado pela tiktoker Caroline Silva e visualizado 5,2 milhões de vezes.
Ela se refere às 25 Worldcoins (criptomoeda atualmente cotada a R$ 12,68) pagas pela iniciativa, chamada de rede World, para quem aceita ceder a biometria ocular no cadastro. O processo é feito em um computador esférico e prateado —o orb. A responsável legal pela operação, que hoje oferece mais de R$ 300 pelo cadastro, é a empresa Tools for Humanity (TfH).
O site da entidade indica que os dados biométricos não ficam armazenados na máquina e serviriam apenas para confirmar que se trata de uma pessoa se cadastrando. O computador, então, geraria um blockchain correspondente para o usuário, o World ID.
O grupo reabriu seus estandes de coleta no Brasil em novembro, após breve passagem em agosto de 2023. Entre os pouco mais de 10 milhões de humanos verificados pela iniciativa, 6,3 milhões estão na América do Sul.
O processo de cadastro da rede World está sob processo de fiscalização da ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) desde novembro. A autoridade investiga se a tecnologia da empresa é segura para a privacidade dos brasileiros.
De acordo com a ANPD, os dados biométricos são especialmente sensíveis por causa de sua natureza única e permanente. Por isso, não podem ser alterados como uma senha alfanumérica.
A autoridade recomenda que o titular de dados entenda os riscos associados ao tratamento de dados biométricos e conheça seus direitos antes de se submeter a cadastros como o proposto pela rede World.
Segundo a ANPD, a iniciativa de Altman coopera com a apuração e entregou os relatórios solicitados, atualmente sob análise do fiscalizador. A empresa, contudo, já teve sua atuação proibida em Espanha e Portugal por não conseguir provar que o processo era seguro para a privacidade dos cidadãos locais.
O QUE É A REDE WORLD?
Inicialmente batizada de Worldcoin, a rede World alterou seu nome no fim do ano passado para dar ênfase à sua atividade-fim, que é autenticar a identidade de pessoas.
Segundo o chefe de privacidade do projeto, Damien Kieran, o CEO Alex Blania projetou uma tecnologia para mostrar que alguém é humano, sem revelar a identidade, a cor, a etnia, a religião ou qualquer dado sensível.
A identidade digital seria útil, por exemplo, na indicação de idade de um usuário sem expor a identidade. Seria uma forma, de acordo com Kieran, de evitar que menores de 13 anos se cadastrem em redes sociais, em contrariedade com os termos de uso das plataformas.
COMO FUNCIONA A CRIAÇÃO DO WORLD ID?
Os interessados em cadastrar a íris para receber criptomoedas precisam baixar o World App, na Play Store (para usuários Android) ou App Store (Apple). A empresa recomenda o agendamento de horário antes da visita ao orb, para evitar filas.
O usuário pode escolher um dos 40 pontos de registro disponíveis no Brasil, todos na capital paulista.
No local, a pessoa irá encarar as duas câmeras localizadas no topo do orb, permitindo que o aparelho fotografe os olhos e meça a temperatura.
A máquina, então, processa os dados em uma inteligência artificial que pergunta: “É uma pessoa? Ela está viva?” Caso a resposta às duas questões seja sim, o robô começa o processo de criptografia para gerar o World ID, como é chamado o código de “comprovação de humanidade”.
A empresa escolheu a íris pela alta confiabilidade na identificação de uma pessoa —a chance de falso positivo é de uma em 2 bilhões de tentativas. Para o rosto, a mesma taxa fica em uma a cada 16 milhões, e, para digital, uma em 80 milhões.
Desde novembro, a ANPD investiga o tratamento de dados biométricos de usuários no contexto do projeto World ID, que inclui, além da íris, informações do rosto e dos olhos.
“Em razão dos riscos mais elevados que o tratamento desse tipo de dado pessoal pode oferecer, o legislador conferiu a eles regime de proteção mais rigoroso, limitando as hipóteses legais que autorizam o seu tratamento”, diz a autoridade.
O regulador solicitou que a empresa esclarecesse como o processamento de dados ocorre e qual o seu contexto, além das hipóteses legais que justificam o processo. Também pediu que a empresa demonstrasse seus mecanismos de transparência para usuário, uma avaliação de riscos do tratamento de dados e os mecanismos adotados em relação a crianças e adolescentes.
A TfH terminou de enviar os documentos requeridos no último dia 7. Agora, a ANPD avaliará o material antes de tomar uma decisão. A agência exige cuidados a mais no tratamento de dados de menores de idade.
No Brasil, a rede World só cadastra maiores de 18 anos e solicita a apresentação de um documento com foto durante o registro.
RESTRIÇÕES AO REDOR DO MUNDO
Autoridades de proteção de dados de Portugal e Espanha proibiram a atuação da rede World em seus territórios, após considerarem as explicações de como o projeto trata os dados sensíveis insuficientes para atestar a segurança dos usuários. A Coreia do Sul também multou a empresa responsável pela iniciativa em 1,1 bilhões de wons (R$ 4,56 milhões na cotação atual) por violações à lei local de privacidade.
De acordo com Kieran, o executivo de privacidade da TfH, o processo “está completamente adequado” à LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) e à GDPR (lei de proteção de dados europeia).
Ele afirma que pode haver uma compreensão por parte das autoridades das técnicas utilizadas para anonimizar as informações.
A empresa diz que não armazena os dados biométricos. A informação seria usada para criar um código binário, como se fosse um código de barras, o World ID. A identidade digital fica criptografada e dividida em três servidores de universidades espalhadas pelo mundo.
SUCESSO RECENTE NO BRASIL
Embora o site da rede World tenha deixado de exibir a quantidade de brasileiros registrados no World ID, alguns números indicam o sucesso da segunda empreitada da iniciativa no Brasil.
Desde o lançamento em novembro, o número de pontos de registro subiu de oito para os atuais 40. No mesmo período, a quantidade de pessoas verificadas na América Latina disparou de pouco mais de 4 milhões para mais de 6 milhões.
COMO RESGATAR OS R$ 300?
A pessoa que se cadastra na rede World recebe em troca 25 moedas chamadas Worldcoin, cada uma avaliada em R$ 13,14 na noite desta quarta-feira (15). O ativo segue o padrão da bitcoin e tem valor bastante volátil. Hoje, o total pago durante o registro ultrapassa os R$ 300.
Para resgatar a criptomoeda e conseguir dinheiro corrente, é necessário ter conta em uma corretora de criptomoedas. O usuário precisa transferir os criptoativos para corretora e depois sacar o dinheiro. Nessa parte, a pessoa precisa de atenção com os dados da transação para não perder os valores.
O dinheiro para manter o projeto é levantado em rodadas de investimento no mercado de capital risco. Na rodada mais recente da World, em maio de 2023, foram levantados US$ 115 milhões com Blockchain Capital, 16z (Andreessen Horowitz), Bain Capital Crypto e Distributed Global. CEO da OpenAI, a desenvolvedora do ChatGPT, Sam Altman é o investidor-anjo do projeto.