Semana passada, ao voltar de seu voo de 11 minutos no espaço, Katy Perry beijou o chão deste planeta que ela teve a chance de ver de fora. As demais mulheres a bordo demonstraram semelhante apreciação. “Você olha para baixo, vê o planeta e pensa: é de lá que nós viemos. E para mim esse é um enorme lembrete de que precisamos melhorar, precisamos fazer melhor”, disse a apresentadora Gayle King, também presente na “missão” espacial.
Pena que a aparente apreciação por este corpo celeste que habitamos tenha surgido somente depois do pouso.
Estima-se que o rolê espacial de Katy e suas amigas, promovido pela Blue Origin do bilionário Jeff Bezos, tenha despejado cerca de 93 toneladas de CO₂ na atmosfera. Por passageira. Para piorar, lançamentos como esse liberam poluentes diretamente na estratosfera, onde seu efeito de aquecimento pode ser até 500 vezes mais potente do que ao nível do solo. Tudo isso por um passeio de luxo sem qualquer objetivo científico.
A trend de querer explorar o espaço não é nova entre os muito ricos. Richard Branson, o bilionário pop e carismático, já falava sobre turismo espacial antes mesmo de Elon Musk, o bilionário vilão cringe de novela, se tornar obcecado por povoar Marte.
A diferença entre Bezos e Musk parece ser que Bezos compareceu às aulas de marketing e vem tentando imbuir de significados os seus rolês espaciais. Ao convidar seis mulheres para passar 11 minutos em gravidade zero, Bezos traveste de feminismo o que é apenas privilégio. Segundo a Blue Origin, a viagem foi “histórica”, um marco para as mulheres. Até tagline a viagem teve: as moças gritaram “Taking up space” (em português, “tomando espaço”) dentro de sua área vip com vista para o planeta Terra. Afinal, o que poderia ser mais relevante para nós do que ver seis mulheres com cabelos perfeitamente ondulados, botox e preenchimentos em dia e corpos embalados a vácuo dentro de macacões de grife numa missão sem qualquer objetivo científico?
Ao aterrissar, depois de beijar o chão, Katy agradeceu à repórter que a chamou de “astronauta”. Dentro dessa lógica, gostaria de afirmar que ontem voltei de viagem a bordo de um Boing 777 e portanto já posso me considerar pilota de avião.
Piadas à parte, o voo de Bezos não tem nada de feminista, mas o marketing tenta transformar em progresso a grande futilidade que é mandar ricões (ou riconas) para o espaço por alguns minutos. E, de carona, serve como cortina de fumaça para o gigante impacto negativo que a exploração turística do espaço deixa para trás. Isso sem contar a grande perversão que é criar uma narrativa de promoção dos direitos femininos enquanto se proliferam relatos de jornadas exaustivas, assédio e discriminação contra mulheres na Amazon, empresa do mesmo Jeff Bezos.
Ironicamente, neste 22 de abril aqui na Terra é celebrado —se é que essa é a palavra a ser usada neste contexto— o Dia do Planeta Terra, data dedicada à conscientização global sobre os desafios ambientais, as mudanças climáticas e a proteção dos recursos naturais.
A viagem da Blue Origin é menos sobre o futuro das mulheres e do planeta e mais sobre o futuro de Bezos. Um futuro no qual ele continua controlando a narrativa, vendendo um feminismo de vitrine, enquanto suas empresas poluem e minam, sistematicamente, os direitos de quem não pode comprar um lugar ao sol — ou no espaço.
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