Os recifes de coral na costa e nas ilhas oceânicas do Brasil estão sob grave ameaça diante do aquecimento do oceano. É o que aponta um relatório elaborado a partir do monitoramento de um ano em 18 pontos estratégicos entre os litorais do Ceará até Santa Catarina —cerca de 2.600 quilômetros de extensão.
O projeto Coral Vivo destaca no estudo que o aumento da temperatura dos oceanos em 2024, agravado pelas mudanças climáticas, resultou no branqueamento em massa e na mortandade desses ecossistemas frágeis. No ano passado, o cenário foi o pior já registrado no Brasil.
Provocado pelo estresse térmico, o branqueamento ocorre quando os corais expulsam as algas coloridas que vivem em seus tecidos. Sem elas, os corais ficam pálidos e vulneráveis à fome e a doenças.
Miguel Mies, oceanógrafo e pesquisador do Instituto Coral Vivo, destaca que em 2019 o país registrou o primeiro branqueamento em massa, e agora os efeitos têm sido ainda mais devastadores. Ele afirma que as áreas com maior mortalidade estão em Maragogi (AL), Natal e Salvador.
“O coral-de-fogo [Millepora alcicornis], que é uma espécie importante do Brasil, teve redução de 90% no branqueamento em 2019. Agora nós estamos terminando de calcular, mas estimamos números similares em 2024 nessas mesmas regiões. Então [com essa repetição], o país está começando a perder essas espécies“, disse a Folha.
“O coral-vela [Mussismilia hartti], ameaçado de extinção e endêmico do Brasil, sofreu muita mortalidade em 2019, e muito mais agora em 2024. A gente está vendo o cenário se agravar”, acrescenta.
O fenômeno não se registre ao Brasil. Em 2024, o branqueamento em massa ao redor do mundo registrou uma extensão recorde, conforme dado da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (Noaa, na sigla em inglês), dos Estados Unidos.
Ao todo 77% das áreas de recifes de coral do mundo —nos oceanos Atlântico, Pacífico e Índico— foram submetidas a estresse térmico.
De acordo com Mies, o Brasil não chegou sofrer graves efeitos nos três primeiros eventos globais de branqueamento de corais, registrados desde 1998. Porém, neste quarto evento, em 2024, o país foi afetado pelas ondas de calor causadas pelos fenômenos El Niño e Oscilação Sul, mudanças periódicas na temperatura do Pacífico tropical que impactam o clima em todo o mundo.
Veja antes e depois de coral branqueado na costa brasileira
Corais da espécie Millepora alcicornis em Tamandaré (PE) em fevereiro de 2024, ainda saudáveis, e no mês seguinte, já branqueados devido ao excesso de calor marinho
– Ágatha Naiara Ninow/Projeto PELD-Tams
Dados mais detalhados sobre a devastação em 2024 na costa brasileira ainda serão divulgados. O monitoramento do projeto Coral Vivo é feito por meio de parceria de 15 universidades e institutos de pesquisa. As ações são custeadas pela Petrobras, patrocinadora desde 2006, e pelo Arraial d’Ajuda Eco Parque.
Os recifes de corais reúnem um quarto de toda vida marinha, fornecendo abrigo, alimento e áreas de reprodução para milhares de espécies, destaca Mies. No Brasil, as formações são as maiores de todo o Atlântico Sul e sua importância vai além da biodiversidade: protegem as praias da erosão, além de sustentarem a pesca e o turismo, contribuindo para a economia de diversas comunidades costeiras.
Mies ressalta que a morte de corais pode levar ao aumento da fome e da desigualdade, uma vez que tende a causar escassez de alimentos.
“Para resolver esse problema, o planeta precisa parar de esquentar. Isso envolve uma união global, não só dos brasileiros, mas do mundo inteiro, em torno da redução da emissão de gases de efeito estufa. E esse é o grande desafio”, reforça.
Mies espera que os dados do monitoramento sirvam para fomentar mais políticas públicas para a conservação da costa brasileira.
“Precisamos usar a pesquisa para falar que os ambientes estão sendo perdidos. A gente precisa também se unir ao resto do globo em tratados de emissão de gases de efeito estufa e na transição energética. Isso é fundamental para parar de esquentar o planeta. É uma batalha difícil, mas temos que continuar na luta.”