No próximo dia 20, quando Donald Trump tomar posse novamente como presidente dos Estados Unidos, terá ao seu lado, como vice, J. D. Vance, um católico fervoroso e recentemente convertido. Longe de ser um dado irrelevante, o fato aponta para a afinidade entre Trump e setores do catolicismo conservador norte-americano.
J. D. Vance nasceu em uma pequena cidade de Ohio há 40 anos. Ele foi fuzileiro naval, lutou na guerra do Iraque em 2005, estudou ciência política, tornou-se autor de um best-seller em 2016, foi eleito senador por seu estado natal em 2023 e começará este ano com os dois pés na Casa Branca.
Nesta biografia política de ascensão meteórica pouca atenção se deu ao fato de Vance ter se convertido ao catolicismo em 2019 e se tornado uma figura de destaque no campo católico conservador norte-americano.
Ao contrário do catolicismo praticado pelo presidente Joe Biden, mais progressista do que conservador e mais devocional do que preocupado com a rígida observância das doutrinas da igreja, J. D. Vance se alinha às correntes do conservadorismo católico de alguns membros da Suprema Corte americana. Na máxima instância jurídica dos Estados Unidos, juízes como Clarence Thomas, Samuel Alito, Brett Kavanaugh e Amy Coney Barrett, todos conhecidos católicos conservadores, tiveram tremendo peso na anulação do direito ao aborto naquele país e agora terão um aliado católico no poder executivo.
Neste segundo mandato de Trump, J. D. Vance não estará sozinho. Conforme destacou a imprensa norte-americana, a alta cúpula da administração trumpista será a mais católica de toda história dos Estados Unidos. Além de Vance, Robert F. Kennedy Jr., nomeado secretário de Saúde e Serviços Humanos e Mark Rubio, indicado como secretário de Estado, são católicos praticantes da ala conservadora.
Mais do que esses outros dois citados, Vance poderá cumprir um importante lugar de mediador entre Trump e as elites intelectuais católicas.
A previsão foi feita por Steve Bannon, ex-estrategista do governo e assessor de Donald Trump, que reconhece Vance como uma espécie de Paulo de Tarso (o apóstolo que ficou conhecido como São Paulo), capaz de espalhar o evangelho do trumpismo mais longe do que o próprio Trump conseguiria.
A forma da conversão de J. D. Vance ao catolicismo há cinco anos, no entanto, pouco se assemelha à conversão do apóstolo Paulo. Segundo a tradição cristã, Paulo perseguia cristãos quando, a caminho da cidade de Damasco, teve uma experiência arrebatadora após ver Jesus e, assim, se tornou um pregador fervoroso.
Já a conversão de Vance, segundo seu próprio relato, não ocorreu após uma experiência disruptiva. Pelo contrário, sua conversão foi resultado de um processo intelectual e reflexivo sobre o catolicismo.
Seu relato de conversão, publicado em 2020 pela revista The Lamp, narra um processo de convencimento da relevância do catolicismo que passa mais pela leitura de textos filosóficos de Santo Agostinho e René Girard do que por experiências cotidianas de fé. Além do peso intelectual, Vance também não escondeu que sua admiração pela Igreja Católica como instituição milenar, sólida e tradicional foi fundamental para que se batizasse e recebesse a primeira comunhão.
A conversão altamente intelectual e institucionalizada de Vance é um dado revelador, mas não surpreendente. Ele se converteu, antes de tudo, à força e ao peso institucional que a Igreja Católica representa. É à tradição da Igreja Católica ao que Vance se alinha e é a tradição que ele passou a defender.
Assim como outros católicos conservadores, Vance coloca-se como um religioso que percebe os processos de modernização da Igreja como uma ameaça. Seja como católico ou como vice-presidente, Vance trabalha em nome da restauração de uma ordem que teria se perdido. É por isso que o mote trumpista “Make America Great Again” (Faça a América Grande Novamente) ressoa com força em um tipo de catolicismo que quer defender a Igreja Católica de suas próprias transformações.
A aproximação de Trump com o catolicismo conservador está além de pautas morais convergentes como, por exemplo, a proibição ao aborto. Trump reconhece nos católicos conservadores um terreno fértil para ampliar seu grupo de apoiadores. Para a tarefa de evangelização do trumpismo entre esses religiosos, já sabemos quem cumprirá a função missionária do apóstolo Paulo: J. D. Vance.