A SuperVia, concessionária que administra os trens urbanos do Rio de Janeiro, tem demonstrado preocupação com a volta dos “surfistas de trem”, grupos de crianças e adolescentes que viajam no teto dos vagões, desviando de fiações elétricas e demais obstáculos do sistema ferroviário.
A concessionária comunicou o fato ao governo do estado em setembro e pediu ajuda para reforçar a fiscalização.
A prática ganhou o apelido de surfe ferroviário na década de 1990, quando mortes ocorreram nos sistemas de trens de Rio e São Paulo. A maioria das vítimas foi eletrocutada.
Neste ano, oito pessoas já foram conduzidas a delegacias do Rio por viajar em cima dos trens. Em setembro, três jovens foram levados.
Como há 30 anos, a moda do surfe ferroviário se espalhou entre crianças e adolescentes.
Os surfistas esperam o trem parar na estação e tentam escalar o vagão até chegar ao teto. Em cima do trem, o desafio é se equilibrar enquanto o trem se locomove e fugir da fiação elétrica, especialmente do pantógrafo, dispositivo instalado no topo da composição. O pantógrafo é responsável pela captação da corrente elétrica que alimenta o trem. A descarga elétrica pode ser mortal.
Outros viajam na lateral do vagão, com o corpo para fora, desviando de obstáculos como placas e postes, ou ainda sentados nos engates entre um vagão e outro.
O ramal com mais ocorrências do tipo é o Japeri, que liga o centro da cidade a municípios da Baixada Fluminense. O trecho mais crítico fica entre as estações de Ricardo de Albuquerque, zona norte, e Edson Passos, em Mesquita, já na Baixada.
O Japeri é o ramal mais movimentado. Somente entre Ricardo de Albuquerque e Paracambi, última estação, a média diária é de 64.656 passageiros em dias úteis.
Ali, a SuperVia começou em setembro uma operação com uso de drones para flagrar os casos.
O artigo 260 do Código Penal prevê pena de reclusão de dois a cinco anos, além de multa, para maiores de 18 anos que tentem “impedir ou perturbar o serviço de estrada de ferro” ou “praticar ato que possa resultar em desastre”.
Quando crianças e adolescentes são identificados, a PM os conduz à Polícia Civil, que aciona a Vara da Infância e Juventude e o Conselho Tutelar.
A concessionária procura outros órgãos para engrossar a campanha de conscientização até o verão, quando o deslocamento de crianças e adolescentes para o centro é maior, por ser o caminho em direção às praias da zona sul.
Uma primeira campanha realizada via redes sociais em setembro já diminuiu o número de casos, diz a SuperVia. Até setembro, as ocorrências eram diárias.
A empresa divulgou vídeos alertando para os perigos da prática. Alguns adolescentes se reconheceram nas gravações e compartilharam nas suas redes sociais pessoais, exaltando o feito.
Na década de 1990, o “surfe ferroviário” ganhou páginas de jornais, reportagens na televisão e letras de música, como “W Brasil”, de Jorge Ben Jor.
Com a repercussão, a Justiça do Rio de Janeiro viu crescer o número de ações judiciais contra a então gestora dos trens urbanos, a empresa pública Flumitrens.
Os casos de acidentes com jovens que viajavam no teto dos trens se misturavam com as próprias falhas no transporte de passageiros. Em alguns processos, autores alegaram ter sofrido acidente dentro dos trens, que muitas vezes se locomovia com as portas abertas. A Flumitrens respondia que o autor se tratava de um “pingente”, ou “surfista ferroviário”.
Em um dos processos, de 1996, a Justiça deu ganho de causa à mãe de uma criança que caiu de um trem e sofreu amputação do pé. A Flumitrens alegou que se tratava de um surfista ferroviário —a informação constava em boletim de ocorrência —, mas testemunhas confirmaram que ele viajava dentro da composição, na companhia da mãe. A empresa foi obrigada a pagar indenização equivalente a 300 salários mínimos à época.
O ressurgimento do fenômeno vem em momento de crise da SuperVia, que deve devolver em breve a concessão dos trens. A empresa, controlada pelo grupo japonês Mitsui, está em recuperação judicial, diz que o governo estadual não cumpriu obrigações de pagamento nos últimos anos e que a falência é um risco concreto. O governo Cláudio Castro (PL) avalia realizar uma nova concessão.
Em carta enviada no dia 25 de setembro à secretaria estadual de Transportes e Agetransp (Agência Reguladora de Serviços Públicos de Transportes do Rio de Janeiro), a SuperVia explicou os casos dos surfistas ferroviários e pediu apoio “a realização de ações efetivas”.
A Central (Companhia Estadual de Engenharia de Transportes e Logística), empresa pública sob o escopo da secretaria de Transportes, respondeu a carta afirmando que a repressão aos casos escapa de sua alçada. “Não cabe à Central providenciar alguma ação efetiva para fins de resguardo do patrimônio de responsabilidade da concessionária”, disse a empresa.
Em nota à reportagem, a Agetransp disse que “acompanha, com preocupação, os casos através de notificações da concessionária e pelo monitoramento das redes sociais”, e que “estamos atentos ao problema, embora não seja atribuição da Agetransp a fiscalização”.
A Polícia Militar afirma não ter números expressivos sobre esse tipo de ocorrência e que “o policiamento ostensivo segue sendo empregado”.