A cerimônia de posse do prefeito e dos vereadores de Araraquara, no interior paulista, foi interrompida por vaias e ofensas durante o discurso de uma vereadora transexual na última quarta-feira (1º). Filipa Brunelli (PT) teve de pedir a intervenção do presidente da Câmara Municipal e encerrar sua fala aos gritos, para se sobrepor aos berros da plateia.
O público reagiu após a vereadora declarar que faria oposição ao prefeito Dr. Lapena (PL), que havia acabado de tomar posse. Brunelli disse que ele foi eleito “sustentado por uma ideologia conservadora, alinhada ao retrocesso e à defesa de figuras políticas violadoras de direitos humanos”, uma referência ao ex-presidente Jair Bolsonaro, do mesmo partido de Lapena.
Parte da plateia gritou ofensas transfóbicas, impedindo que ela prosseguisse com o discurso. À Folha a vereadora relatou que viu algumas pessoas fazendo gestos de armas com as mãos e que um homem, que ela não conseguiu identificar, gritou a frase “sai fora, traveco”.
Brunelli chamou a atenção do presidente da Câmara, vereador Rafael de Angeli (Republicanos), para que ele garantisse ordem no plenário —ele se levantou e pediu ao público respeito. O regimento da Casa garante o direito de todos os vereadores se manifestarem sem interrupções.
As vaias continuaram mesmo após a intervenção de Angeli, e a vereadora passou a gritar para encerrar o discurso. “Como democrata, estarei sempre aberta ao diálogo, meu compromisso é com o povo e estarei disposta a contribuir por uma cidade melhor, desde que isso não signifique sacrificar os direitos das minorias políticas ou abrir mão de nossos princípios progressistas”, ela disse.
Brunelli ainda não tomou medidas judiciais em relação ao caso devido à falta de imagens que identifiquem os autores das ofensas. Ela solicitou gravações à administração do Legislativo municipal, mas apenas uma câmera filmou a plateia parcialmente.
O gabinete da vereadora busca imagens feitas com celulares pelo próprio público para tentar identificar ao menos parte das pessoas.
“Queria destacar que todos os vereadores tiveram seus direitos respeitados durante a cerimônia e somente o meu discurso foi completamente interrompido, e não somente por vaias”, ela afirmou.
Reeleita com 1.747 votos, Brunelli assumiu seu segundo mandato na Câmara de Araraquara. Há quatro anos, quando se tornou a primeira vereadora travesti da cidade, ela já recebia ameaças de morte e relatou que um homem passou a dar voltas no quarteirão insistentemente ao redor de sua casa, como mostrou a Folha à época.
“Isso a gente achou que estava resolvido, mas durante a cerimônia de posse nós vimos que não”, afirmou. Ela disse que, após as ofensas durante a posse, provavelmente terá de retomar medidas de segurança para proteger ela e funcionários do seu gabinete. “São essas as dificuldades com que nós teremos que lidar, e que outros vereadores não terão que lidar.”
Nas eleições do ano passado, Lapena derrotou a ex-secretária da Saúde Eliana Honain (PT), candidata do ex-prefeito petista Edinho Silva, que foi ministro da Educação durante o governo Dilma Rousseff.