A destituição do ditador Bashar al-Assad por grupos rebeldes islâmicos de oposição foi motivo de comemoração para uma parcela da população síria neste domingo (8), que saiu às ruas para celebrar a queda do regime em vigor há décadas.
Contudo, essa “sensação de vitória” não significa que o país de maioria árabe verá uma estabilidade política tão cedo.
Pelo contrário, o vácuo de poder após mais de cinco décadas de um regime violento comandado por uma mesma família, em um país afundado em uma grave guerra civil há pelo menos 13 anos, deixa os sírios em uma situação indefinida e até perigosa, entre o risco de criação de um Estado terrorista, liderado por rebeldes ligados à Al-Qaeda, e a distante expectativa de implantação de uma democracia.
O primeiro-ministro da Síria durante o regime do ditador Bashar al-Assad, Mohamed Ghazi al-Jalali, concordou em transferir o poder ao chamado Governo de Salvação, que administra a província de Idlib, no norte sírio, nesta segunda-feira, dando o primeiro passo para uma nova administração.
A Rússia, um dos países considerados derrotados nesse movimento de derrubada da ditadura, afirmou que pretende negociar o futuro das suas bases militares na Síria com as “novas lideranças” do país.
“É prematuro falar sobre isso. Em qualquer caso, será objeto de discussão com aqueles que estão no poder na Síria”, disse Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, em sua coletiva de imprensa telefônica diária.
Umas das preocupações que surgem com a atual situação política da Síria é a de que esses grupos armados que tomaram o poder fechem acordos com Moscou e Teerã, outro antigo aliado regional de Assad, para implantar um regime terrorista – que seria uma ameaça direta a Israel na fronteira, visto que os braços armados do Irã, como o Hamas e o Hezbollah, saíram enfraquecidos nos últimos meses de conflito.
O governo de Tel Aviv já está atento a essa ameaça. O ministro da Defesa israelense, Israel Katz, ordenou ao Exército a criação de uma “zona de segurança” no sul da Síria e na zona desmilitarizada entre os dois países, nas Colinas de Golã, onde as tropas foram destacadas para garantir o controle da área, após a queda do regime de Bashar al-Assad.
Outro país que pode ganhar mais influência regional nessa nova etapa da crise é a Turquia, de Recep Tayyip Erdoğan, que vem apoiando os rebeldes desde os primeiros movimentos da guerra civil, em uma disputa mais ampla com o Irã. Um novo governo que seja mais hostil aos curdos sírios também enfraquecerá os curdos na Turquia, o que interessa igualmente a Erdoğan.
O presidente dos EUA, Joe Biden, também deixou um recado claro de que os sírios não devem se enganar com uma falsa expectativa de chegada da democracia após o fim de uma ditadura de longa data.
O democrata disse neste domingo, a partir da Casa Branca, que o “momento de oportunidade” era, do mesmo modo, “um momento de risco e incerteza, à medida que todos nos voltamos para a questão do que vem a seguir”.
“Não se enganem, alguns dos grupos rebeldes que derrubaram Assad têm seu próprio histórico sombrio de terrorismo e abusos de direitos humanos”, declarou Biden, que encerrará seu mandato no mês que vem.
Neste domingo, as forças dos EUA realizaram ataques aéreos contra mais de 75 alvos do Estado Islâmico na região central da Síria, segundo informou o Comando Central dos EUA (Centcom) em um comunicado.
O papel de Washington nessa transição caótica de poder dependerá do posicionamento da nova administração de Donald Trump a partir de janeiro.
Com seu perfil menos intervencionista, o republicano já deixou claro no sábado (7) que não pretende se envolver na guerra na Síria. Ele disse que o país está uma “bagunça”, mas que não é uma nação amiga de Washington: “Essa luta não é nossa, deixem rolar, não se envolvam”, declarou o presidente eleito.
No entanto, apesar das falas de Trump no sentido de não envolvimento, Washington já possui uma força militar relevante no leste da Síria, focada em destruir o Estado Islâmico (EI).
Durante seu primeiro mandato, Trump também defendeu a retirada de tropas americanas do país. No entanto seus conselheiros militares o convenceram de que a saída da base síria teria um impacto direto nos esforços de conter e erradicar os terroristas do EI.
A realidade é que a Síria ainda deve enfrentar uma forte instabilidade por um período indefinido e a expectativa de implantação de uma democracia é um sonho a que os sírios não devem se apegar tão cedo.
Especialistas apontam que a Síria está mais próxima de uma provável teocracia islâmica de vertente sunita do que de uma ordem democrática.