Um livro mágico que nos transporta literalmente para a acção, exploração e puzzles no seu interior, com transições para o mundo realista do exterior. Um dos jogos mais belos e divertidos que vão encontrar.
The Plucky Squire é uma das melhores produções dos últimos tempos, um jogo único na forma como conjuga elementos mágicos, de heróis de espada e arco que saltam para fora dos livros. O jogo oferece o brilho dos livros de banda desenhada, num formato 2D, a lembrar muitos jogos 8 e 16 bit, e uma transição para o mundo exterior, em 3D, em concreto o quarto e a secretária onde o livro repousa, pronto para ser lido, escrito e desenhado pelo seu autor.
Há um sentido maravilhoso, do herói que é chamado a reescrever o capítulo final, vencendo definitivamente o vilão. É que os livros com maus finais não são lidos nem comprados. São colocados de parte e esquecidos, perdidos no meio de livros obscuros.
Nas permanentes transições reside o encanto do jogo, entre o mundo do livro, construído a duas dimensões, num virar de página constante, e as explorações fora dele num mundo tridimensional, onde um frasco de tinta é um pouco maior que o nosso herói, e onde a profundidade e o desenho realista oferece um magnífico contraste com o mundo mágico pintado e desenhado à mão. Oriundo do All Possible Futures, um estúdio britânico co-fundado por dois antigos programadores da Nintendo, The Plucky Squire é um belíssimo jogo de estreia, um jogo tão bem construído e desenvolvido ao longo dos momentos de apresentação, introdução às mecânicas, puzzles e momentos de acção, que se destaca desde logo por uma maturidade ímpar, de quem soube pegar num conceito e desenvolvê-lo com mestria.
Vencer o vilão para reescrever o final do livro
Mesmo não sendo um jogo muito longo é uma aventura single player, na qual predominam os puzzles, acção e exploração de forma muito segura e criativa. Podendo ter os seus momentos de maior acessibilidade, justamente a pensar na audiência mais juvenil ou adulta, especialmente no primeiro terço do jogo, contempla um desafio sólido se os jogadores também o procuram. Não há momentos nos quais se denote um arrastar ou simplesmente uma monotonia de mecânicas. Ainda que algumas se repitam, entre entradas e saídas do livro até se completar um determinado puzzle, há qualquer coisa de diferente a ocorrer tanto no mundo exterior como dentro do livro, e isso faz diferença.
Jot é o intrépido herói que habita num mundo chamado Mojo. Esta terra mágica é composta por várias regiões que irá percorrer numa longa aventura de descoberta e valentia. Cabe-lhe vencer o malvado Humgrump, que por recusar aceitar o papel de vilão e dessa forma ser sempre vencido cada vez que alguém lê o livro, expulsa Jot para o mundo exterior. Sujeito a perigos e outros obstáculos das mais variadas formas, desde presuntivos oponentes derivados de cartas Magic, até insectos que percorrem com as suas patinhas saltitantes uma secretária onde repousam frascos de tinta, livros, réguas, esponjas, o caminho está desenhado para os mais valentes.
Combinando exploração com plataformas e puzzles, Jot tem sempre que lidar com um permanente exército de criaturas comandadas pelo tal Humgrump. Dentro ou fora do livro. Possuindo uma espada que mais se assemelha à ponta de uma caneta de tinta permanente, é capaz de exercer um conjunto de habilidades, tais como o ataque directo ou básico sobre os adversários. No entanto mais habilidades podem ser adquiridas. O ataque com salto, arremesso da espada e o ataque em forma de parafuso podem todos ser adquiridos ao longo da aventura. Isso permite ao herói usar diferentes abordagens para sair bem sucedido. De resto, esses upgrades são obtidos através da troca de umas lâmpadas encontradas em arbustos ou árvores.
Tendo em conta que o jogo aponta para uma dualidade de mundos, na qual no interior do livro as personagens e o espaço envolvente são como que desenhados e pintados à mão, fora dele assumem uma representação em profundidade e realista, típica de um processo 3D. No entanto, também aqui os inimigos reagem da mesma forma e também há segredos e puzzles a resolver. Mas em alguns pontos do mundo experior, Jot consegue transitar para o formato desenho em 2D, através de uma extensão de papel, como numa vinheta. Tanto dentro do livro como fora dele os níveis são algo lineares e previsíveis na evolução. Os puzzles acontecem quando há necessidade de deslocar certos elementos, empurrando caixas, usando alavancas ou criando uma plataforma para onde possa saltar.
Grande variedade de puzzles
Por vezes a interacção entre os dois mundos fica de tal modo interdependente ou conexa que é necessário sair do livro, recolher determinado objecto no exterior, voltar uma ou duas páginas do livro para a frente e para trás, e regressar ao seu interior. Estas entradas e saídas dependem sempre de um clique no botão triângulo, num efeito de transição que se consegue num par de segundos, de forma bastante dinâmica e sem quebras. Outras vezes saem por uma página do livro e entram pela outra até desbloquearem e resolverem o puzzle.
Os puzzles tendem a ser variados, em resultado das situações e do mundo em que se encontrem. Como o livro de banda desenhada possui texto, serão chamados a retirar algumas palavras de uma frase e substituí-las. Quase sempre a substituição de palavras produz uma alteração no mundo. Uma área que fica inundada, uma porta que se abre, uma passagem do dia para a noite. É o tal reflexo mágico e de fantasia que normalmente habita nos livros de banda desenhada. Por norma os puzzles não são muito complexos. Poderão não ser resolvidos facilmente mas através do esquema da tentativa e erro chega-se sempre ao ponto pretendido. Além disso, o feiticeiro Moonbeard está sempre por perto para nos dar uma série de dicas.
Jot nunca estará só nesta viagem entre mundos. Há post-its onde Page, uma minhoca dos livros, assinala um objectivo a cumprir. Trash e Violet são outros comparsas, dotados de certas habilidades, nomeadamente a percussão e a pintura. Por isso os diálogos são constantes e há sempre personagens com as quais é necessário interagir e ter alguma conversa. Com os inimigos, nem sempre essa intenção acaba bem, seguindo-se algum confronto. Alguns adversários oferecem mais resistência e constituem verdadeiros “bosses” de um final de nível. Contudo, o grau de dificuldade raramente toca o frustrante. Alguns mini-jogos de acção podem ser mais desafiantes (como o tiro com arco), mas são ultrapassáveis nem que seja ao fim de um par de tentativas.
O incentivo à exploração é constante, através de coleccionáveis, pequenos “scrolls” que representam esboços artísticos do jogo em fase de pré-produção. Muitos deles estão escondidos pelo mundo, podendo outros ser adquiridos directamente a Martina, que também vende os “badges” – melhorias – da espada. Em suma, a exploração articula-se com os restantes momentos, dedicados à acção e aos puzzles. Ainda que a predominância do realismo seja assumida no exterior, é dentro do livro que encontramos sinais mágicos. Os segmentos quando há pouca luz ao redor da personagem e muitos saltos adquirem mesmo a forma de um salto de fé (no escuro), ou então as plataformas em side-scroll vertical, num exercício de fuga a pedras rolantes.
The Plucky Squire não é muito longo, como referi atrás, podendo ser terminado com menos de dez horas. Dependerá do tempo gasto a resolver certos puzzles e a vasculhar todos os segredos e “scrolls”. Certas decisões relativas ao equilíbrio da dificuldade, uma curva de aprendizagem suave, e uma aptidão permanente para explicar tudo e conceder dicas durante os puzzles, poderão tornar-se em apontamentos a melhorar para um futuro jogo, sobretudo pelos jogadores veteranos. Os mais novos vão seguramente apreciar esta aventura.
Sabe bem poder desfrutar de um jogo mágico e conceptualmente criativo como é este The Plucky Squire. Em algumas mecânicas não é inteiramente original, ainda que as transições entre mundos façam do livro como suposto objecto inerte, um mundo polvilhado de acção e proezas a realizar. É da articulação do nosso mundo com o mundo da banda desenhada que afinal estamos a falar. E não há muitos jogos capazes de prosseguir com esta interdependência de forma eficaz e inteligente. Jot precisa de progredir nestes espaços e ambientes. Só dessa forma pode vencer o vilão da narrativa e escrever o final. Cabe-nos ajudá-lo a atingir essa meta.
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