O estudo das crateras produzidas por asteroides na superfície da Terra continua a trazer surpresas. Já sabemos de 190 que foram causadas por esses impactos cósmicos, como aponta a Earth Impact Database.
Um trabalho recente acaba de revelar que a taxa de impactos pode ter aumentado em determinados períodos da história da Terra, e que esse aumento pode ter sido devido à desintegração de um único asteroide nas proximidades de nosso planeta. Esse rompimento por um efeito de maré gravitacional poderia ter criado um anel ao redor da Terra como os de Saturno, que tem entre 500 e 1.000 anéis compostos de partículas de poeira, gelo e rochas.
Embora os impactos de asteroides de tamanho quilométrico ocorram, em média, a cada várias dezenas de milhões de anos, um novo estudo liderado por Andrew G. Tomkins revela algo surpreendente: durante o Ordoviciano, há aproximadamente 466 milhões de anos, 21 crateras de impacto se formaram na Terra.
Como podem ter ocorrido tantas colisões nesse curto período de tempo?
Em busca de pistas
Apesar da perda de popularidade e peso curricular, a geologia tem um papel fundamental em nossa compreensão da história e da evolução da Terra.
Ao estudar rochas submetidas a colisões de hipervelocidade com um corpo celeste, podemos saber como materiais extraterrestres chegaram à Terra e datar com precisão o momento do impacto.
A equipe por trás da descoberta usou modelos de reconstrução de placas tectônicas para retroceder o tempo no “relógio” na superfície da Terra. Os impactos de asteroides aumentam a temperatura das rochas que atingem, fazendo com que os minerais percam o chumbo acumulado e zerando esse “relógio”. Após o impacto, os relógios isotópicos começam a funcionar novamente conforme o novo chumbo se acumula nas rochas. Portanto, ao medir os isótopos de urânio e chumbo nesses minerais, podemos calcular quanto tempo se passou desde a colisão.
Quando um projétil atinge a superfície de um planeta, ele também deixa para trás os materiais de que é feito. Eles podem ser encontrados em fissuras que se originam como resultado de um impacto de meteorito. O estudo dessas rochas fornece informações sobre a composição dos projéteis antes do impacto colossal.
Asteroides relacionados uns aos outros
Mas então veio uma segunda surpresa. As evidências encontradas pela equipe de Tomkins indicam que os impactos ordovicianos estão relacionados entre si: todos eles foram produzidos por um tipo específico de asteroide. Os projéteis que geraram essas crateras tinham uma composição típica dos meteoritos indiferenciados que conhecemos como condritos comuns do grupo L.
A hipótese dos especialistas é que, para que tantos impactos ocorram em um período de tempo relativamente curto e todos se originem do mesmo tipo de objeto, seria mais lógico pensar que eles são provenientes da destruição progressiva do mesmo asteroide.
Ao longo da história, houve inúmeras colisões no cinturão de asteroides, gerando fragmentos que, após dezenas de milhões de anos, caem na Terra. No entanto, sua chegada ao nosso planeta ocorre de forma bastante aleatória e muito espaçada no tempo.
Assim, sabia-se que havia uma concatenação de impactos de asteroides contra a Terra que ocorreram em um período de 40 milhões de anos, entre 485 e 443 milhões de anos atrás. Isso se encaixa em outras evidências que já estavam disponíveis. Por exemplo, a rocha calcária que se estende ao redor de todo o planeta registra que houve um forte enriquecimento em certos elementos característicos de tais meteoritos. Além disso, essas rochas contêm detritos de micrometeoritos. Esse cenário apoia a conexão entre essas 21 crateras de impacto espalhadas pelos continentes que datam desse período, embora sua distribuição ainda seja enigmática.
Um cenário inesperado
Nesse exercício de busca por respostas, descobrimos, quase sem querer, uma nova surpresa na linha de raciocínio.
Levando em conta a posição atual das crateras e a deriva sofrida pelos continentes, os pesquisadores perceberam que a maioria dessas crateras produzidas no Ordoviciano foi escavada em uma faixa estreita, em uma espécie de cinturão sem muita inclinação em relação ao equador.
Isso não se encaixaria em um cenário de impacto de vários asteroides que chegam aleatoriamente do cinturão principal de asteroides. Com base nisso, eles foram forçados a criar outro cenário plausível que poderia fornecer uma resposta para todas essas evidências.
Assim, eles propuseram que um asteroide pode ter ultrapassado o limite de Roche da Terra, um limite teórico dentro do qual o efeito de maré gravitacional do planeta supera a capacidade desse objeto em se manter coeso e o fragmenta em um grande número de corpos.
Um processo como esse foi observado há relativamente pouco tempo, quando Júpiter desintegrou o cometa Shoemaker-Levy 9 em 1992. Fragmentado em vários pedaços, ele colidiu dramaticamente com o planeta gigante gasoso. O estudo dos impactos com telescópios modernos foi um avanço em nossa compreensão das colisões de objetos celestes com planetas, que ocorrem com mais frequência nos planetas mais maciços e gravitacionalmente influentes, como Júpiter e Saturno.
Um cenário semelhante pode ter ocorrido na Terra, e os fragmentos do asteroide poderiam ter formado anéis em torno do planeta. Esse hipotético anel equatorial pode ter se dissipado gradualmente ao longo de aproximadamente 40 milhões de anos, à medida que os materiais que o formavam caíram na Terra. Os blocos maiores teriam escavado as 21 crateras de impacto conhecidas.
Essa hipótese é consistente com a relativa brevidade dos sistemas de anéis em torno de alguns corpos planetários do Sistema Solar, que são tipicamente jovens e de vida relativamente curta.
O anel afetaria o clima da Terra
A presença de um anel poderia ter consequências paleoclimáticas?
Possivelmente sim, e de fato essa hipótese parece razoável. Se houvesse um anel equatorial, a inclinação do eixo da Terra em relação ao Sol seria diferente da atual. A radiação solar seria menor em cada hemisfério durante os invernos, que seriam mais frios. E, no verão, a luz solar refletida pelos materiais do anel aumentaria ligeiramente a irradiância dos hemisférios de verão.
Esse cenário acentuaria o resfriamento no inverno, como foi descrito para o período Ordoviciano em trabalho anterior.
Quando o anel perdeu material e se dissipou, o efeito de resfriamento cessou e, portanto, o clima global teria retornado às temperaturas típicas. Isso poderia explicar o rápido aquecimento que a Terra parece ter experimentado entre 444 e 437 milhões de anos atrás.
A hipótese da presença de um anel ao redor da Terra está, portanto, ganhando força como resultado do estudo de Andrew G. Tomkins e seus colaboradores. Veremos se esse cenário é capaz de explicar as novas evidências que podem surgir sobre essa época remota. Afinal de contas, isso é ciência, e os geólogos continuarão a ler as páginas antigas do livro de história do nosso planeta nas rochas.
Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons. Clique aqui para ler a versão original