Conheci o trabalho do médico Rangan Chatterjee em 2022 quando ele entrevistou em seu podcast o maratonista queniano Eliud Kipchoge. Recentemente, passei a acompanhá-lo mais, lendo seus livros e ouvindo suas entrevistas com especialistas como médicos, neurocientistas, psicólogos. O britânico fala de saúde para além da medicina tradicional, e como o mundo moderno nos afeta sem que às vezes a gente perceba. Nada a ver com muita autoajuda vazia que tem por aí, e sim como mudanças de comportamento ajudam a viver melhor.
Um dos hábitos que esse médico mais recomenda é: faça algo difícil todos os dias. Ele explica que seres humanos são propensos a buscar conforto, mas se casas com ar-condicionado e aquecimento, carros, delivery, melhoraram nossa qualidade de vida, o excesso de conveniência está nos matando. Na parte física, várias doenças crônicas são ligadas ao sedentarismo. Se antes precisávamos sair para comprar e então cozinhar nosso alimento, hoje ele chega na porta de casa com um clique no aplicativo de entrega, sem levantarmos do sofá. Na psicológica, ao delegarmos a empresas a responsabilidade de resolver nossos problemas, a capacidade do nosso corpo e mente de sobreviver e prosperar se deteriora. Piora o humor porque estamos tão mal-acostumados com conforto que perdê-lo minimamente nos frustra —se ficamos sem internet, o entregador de comida atrasa, o streaming trava. Somos dependentes do outro em situações sobre as quais não temos controle e em que problemas vão acontecer. O stress emocional aumenta o risco de buscarmos compensação em álcool, cafeína, açúcar ou redes sociais.
O dr. Chatterjee diz que o excesso de conforto é uma razão pela qual nossos níveis de ansiedade não param de subir. Por isso, acredita que precisamos experimentar níveis de desconforto intencional todos os dias. Incorporá-lo na rotina pode ser usando escadas em vez de elevador, uns segundos de banho frio, aprendendo um novo idioma. E uma maneira bem eficaz é através do exercício físico. É um jeito controlado de fazer algo difícil, ensina a lidar com pequenas doses de stress, nos fortalece, manda um sinal para o cérebro de que podemos confiar em nós mesmos em situações desafiadoras.
Ele diz para irmos além, por exemplo, fazer esporte ao ar livre quando o tempo estiver ruim. Há um ano, treinei para a maratona de Londres no inverno e lembro que minha mente encarava corridas às seis da manhã, no escuro e em temperaturas negativas aumentando minha resiliência. Eu sabia que precisaria dela no dia da prova. Nas últimas semanas, não consegui colocar isso em prática. O frio me dava medo e insegurança.
Hoje, resolvi seguir a sugestão do dr. Chatterjee. Fazia 0°C de manhã, os telhados das casas tinham neve. Em vez de reclamar de algo sobre o qual não tenho controle, ficar angustiada, abracei esse dia gelado e a chance de correr no sol em meio à natureza. Essa mínima virada de chave na cabeça fez a experiência ser totalmente diferente. Não senti frio e voltei satisfeita (também tenho preferido escadas e, sendo canhota, desafiado meu cérebro usando mais a mão direita).
Portanto, desejo a você um 2025 com pequenos desconfortos diários. Que eles te ajudem a viver melhor e ir mais longe.
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