Já dizia Sigmund Freud (1856-1939), pai da psicanálise: o inconsciente é fundamental para compreender a mente humana.
As pesquisas sobre o que definem a consciência e a inconsciência ficaram, nos últimos anos, no campo da filosofia e da metafísica, com poucos avanços para entender como, de fato, algumas ações que pomos em prática diariamente em nossa vida em sociedade são guiadas pelo inconsciente.
Para Stanislas Dehaene, neurocientista, professor do Collège de France e diretor da Unidade de Neuroimagem Cognitiva do Inserm (Instituto Nacional da Pesquisa Médica e em Saúde, na sigla em francês), o problema é que nossa sociedade superestima a consciência em detrimento de outros mecanismos cerebrais que podem ser tão ou mais definidores da nossa espécie.
“Uma das principais descobertas da neurociência, nos últimos anos, foi a extensão do processamento inconsciente que, pós-Turing [Alan Turing, matemático e criador do primeiro computador] é basicamente o que uma máquina faz”, afirma ele. “O que é um pouco mais difícil de entender é o que a consciência significa, esse nível mais alto em que a informação se torna consciente. E nós constantemente superestimamos a consciência.”
Na avaliação do professor, não somos conscientes do que não somos conscientes. “Parece trivial, mas não somos conscientes do processamento subliminar. Então, negligenciamos isso. Quase por definição.”
Dehaene conversou com a reportagem em setembro, logo após o lançamento no Brasil de seu novo livro “É Assim que Pensamos: Como o Cérebro Trabalha para Tomarmos Consciência do Mundo” (Ed. Contexto).
Segundo ele, os estudos na área demoraram a avançar —do ponto de vista experimental— porque, por muitos anos, a consciência era considerada um problema filosófico.
“Acho que esse momento acabou e chegamos ao ponto da experimentação séria. Agora, se estamos perto de entender o que nos torna humanos em oposição a outros animais, isso é ainda muito aberto, e não é exatamente o ponto central da consciência, embora seja uma das questões. A questão central em que acredito é: por que experimentamos as coisas? Qual é a diferença entre o processamento consciente e o inconsciente? E isso é amplamente comum em primatas e humanos.”
No livro, o professor dá exemplos palpáveis do que seria o processamento inconsciente, como respirar e regulação fisiológica, e também aborda como a linguagem e a matemática passaram a ser experimentadas do ponto de vista do inconsciente.
“Eu não preciso pensar nas letras que são necessárias juntar quando estou falando, é algo automático. Talvez eu precisasse ser consciente da linguagem se estivesse falando, por exemplo, em mandarim, quando poderia me preocupar com as regras gramaticais, mas, uma vez que aprendemos a linguagem, ela também se torna um processamento inconsciente.”
Com os avanços da neurociência experimental nas últimas décadas, o autor diz que sentia a falta de um livro voltado para o grande público sobre o que é, de fato, a nossa consciência.
“Há uma pergunta muito antiga feita pelos filósofos: ‘conhece-te a ti mesmo?’. É preciso tentar se conhecer, é uma das maiores buscas da humanidade. Nós somos nossos cérebros, certo? Então, estou tentando convencer as pessoas disso, de que, quando nosso cérebro desaparece, nossa consciência também.”
O neurocientista já colaborou com o brasileiro Sidarta Ribeiro, professor da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), especialista em psicodelia, e está avaliando, com outros colegas na França, mecanismos envolvidos na perda da memória em pacientes com Alzheimer.
“No primeiro estágio de desenvolvimento do Alzheimer, as pessoas podem perder a memória sobre pessoas e lugares, mas elas continuam muito boas em resolver problemas de matemática, o que indica que existem partes diferentes do nosso processamento consciente envolvidos nessas atividades. E descobrir isso pode ajudar a retardar esse progresso.”
Para aqueles que gostam de comparar o cérebro humano a uma máquina, porém, Dehaene faz uma ressalva: essa metáfora não é tão precisa assim.
“Antes, o cérebro era comparado a uma máquina hidráulica ou cinemática. Depois, a um relógio [com engrenagens]. E agora há a metáfora do computador. Nenhuma dessas é muito boa, porque o que estamos descobrindo é que o cérebro não é um computador, ele tem mais de 86 bilhões de neurônios, todos funcionando em paralelo, nenhum deles está ali parado, esperando. Então, é como uma rede gigante de computadores, todos trabalhando ao mesmo tempo.”
Ele termina com uma previsão: a ciência da consciência não vai levar mais 30 a 50 anos para se desenvolver, uma vez que as ferramentas tecnológicas hoje —incluindo a IA (inteligência artificial)— tendem a acelerar esse processo.
“O ritmo de progresso é simplesmente incrível. Não levará mais 50 anos. Somos capazes de olhar o cérebro em todos os tipos de escala, do nível molecular para o neurônio, do neurônio para o circuito, do circuito para o processamento e do processamento para a experiência consciente. E em cada um desses níveis temos ferramentas maravilhosas, que conseguem ver o cérebro humano em alta resolução, e isso enquanto a pessoa, ou o animal de estudo, está se comportando.”