Stalker 2 apresenta um mundo impressionante, suportado pelo Unreal Engine 5, onde a liberdade de exploração e a mecânica de sobrevivência se destacam. No entanto, sofre de problemas técnicos, missões mal estruturadas e inteligência artificial problemática. O lançamento foi óbviamente apressado.
Stalker 2: Heart of Chornobyl chegou finalmente, após um longo e conturbado processo de desenvolvimento. A equipa de produção do estúdio ucraniano GSC Game World deparou-se com enormes dificuldades, incluindo atrasos e complicações resultantes da guerra na Ucrânia. Mesmo perante as adversidades logísticas e emocionais, a equipa conseguiu entregar o jogo. Com um vasto mundo aberto, a atmosfera opressiva da Zona de Exclusão e uma dinâmica de sobrevivência complexa, Stalker 2 apresenta uma história aprofundada, tentando dessa forma estabelecer-se como um marco no género de sobrevivência.
História de produção e desafios
Se o processo de desenvolvimento foi conturbado, o lançamento e a minha análise a Stalker 2 não foram menos desafiantes. Recebi o jogo pouco antes da data de lançamento, e a versão que foi disponibilizada ainda tinha uma série de bugs, alguns deles bastante graves, que comprometiam a fluidez da experiência. Estes problemas técnicos dificultaram a exploração da Zona de Exclusão, transformando o que deveria ter sido uma viagem cativante num verdadeiro teste de paciência.
Embora as frustrações e as longas horas investidas – já acumulei 60 horas em Stalker 2 – há momentos que revelam o potencial inegável do jogo. A combinação de uma atmosfera opressiva e cheia de tensão com uma mecânica de sobrevivência bem estruturada cria uma experiência única que, mesmo com as suas falhas óbvias, consegue captar a essência de um mundo brutal e implacável. É nos momentos de exploração intensa que a verdadeira força do jogo se torna visível. Mesmo com os erros de execução, é visível que assenta em ideias sólidas e promissoras, que, quando funcionam corretamente, resultam em situações e experiências de grande qualidade.
Narrativa e ambientação
Stalker 2: Heart of Chornobyl transporta novamente os jogadores para a desolada Zona de Exclusão, uma versão alternativa da região de Chernobyl, onde um segundo desastre nuclear deu origem a um território arrasado e cheio de anomalias perigosas e criaturas mutantes. Nesta realidade distorcida, o jogador assume o papel de um Stalker (Skif), um explorador que se aventura na Zona em busca de artefactos valiosos e segredos escondidos. A narrativa desenrola-se num ambiente hostil, onde facões rivais, radiação constante e fenómenos sobrenaturais misturam-se para criar uma luta constante pela sobrevivência.
A trama explora temas como a ganância, vingança e os limites da moralidade, com o protagonista a descobrir mistérios que ultrapassam a compreensão humana, pondo em causa as verdadeiras motivações que o levam a entrar neste território proibido.
Sou um veterano nestas andanças – joguei o original, embora o tempo tenha apagado muitas das memórias dessa altura. Mesmo assim, a essência de Stalker 2 não me pareceu estranha; há uma familiaridade que regressa, como um reencontro com velhos fantasmas da Zona de Exclusão. Esta nova versão é claramente uma readaptação aos tempos modernos, onde os visuais atualizados desempenham um papel importante. A atmosfera opressiva que já era evidente no jogo original é agora ainda mais intensa e palpável, graças ao realismo gráfico e ao pormenor meticuloso do ambiente. A sensação de perigo permanente é mais intensa do que nunca, transformando cada incursão na Zona num acontecimento que mistura a nostalgia com novas formas de representação visual.
A fase inicial de Stalker 2 é, sem dúvida, desconcertante. Desde os primeiros momentos, apercebemo-nos de uma certa falta de coesão, como se faltasse algo essencial. A transição entre as cinemáticas e o jogo propriamente dito é feita de forma abrupta, sem a fluidez e o encanto esperados para criar um verdadeiro clima de envolvência. Este desfasamento compromete a ligação emocional com a narrativa, pois faltam elementos que criem uma ponte entre a história e a ação, o que faz com que o jogador seja atirado para o ambiente sem a preparação emocional necessária.
Somos um Stalker, e a nossa viagem começa com uma motivação pessoal, em busca de respostas que só aquele território alterado pode dar. Skif depressa dá por si envolvido em complexas conspirações entre diferentes facões rivais. A necessidade de perceber o que realmente se passa naquela região retorcida cresce a cada passo, enquanto a linha entre o real e o sobrenatural se torna cada vez mais ténue.
O que começa como uma busca própria transforma-se numa odisseia muito maior do que o esperado, levando-o a explorar as áreas mais remotas e perigosas da Zona. Determinado a descobrir a verdade, Skif não hesita em infiltrar-se em territórios hostis, deparando-se com dilemas morais e, por vezes, a colaborar com indivíduos de carácter duvidoso, tudo em nome de respostas que podem custar a sua própria sanidade.
A narrativa de Stalker 2 produz-se neste formato, centrando-se numa viagem alucinante através de um vasto território aberto à exploração. Cada recanto da Zona de Exclusão esconde desafios e segredos à espera de serem descobertos, num cenário que desafia e intriga o jogador a cada passo. Este convite para explorar um mundo tão hostil quanto fascinante é irresistível – um vasto território onde nos podemos perder. No fundo, é uma experiência que, com todos os seus perigos e mistérios, pretende encantar e cativar quem se atreve a mergulhar nela, transformando cada descoberta numa recompensa e cada desafio numa conquista que fica marcada na memória.
Falta de polimento e integração narrativa
Há aqui ingredientes para ser o jogo perfeito: um conceito sedutor, um mundo denso e intrigante e uma narrativa com profundidade suficiente para um projeto de elevado valor. No entanto, por detrás deste aparente encanto, existem problemas que comprometem a experiência em momentos decisivos. Não se trata da estrutura ou das ideias que sustentam o jogo – estas são sólidas e bem projetadas. O maior obstáculo está na execução. Os problemas técnicos, as inconsistências na apresentação e a falta de polimento acabam muitas vezes por perturbar a imersão, comprometendo a credibilidade do universo cuidadosamente construído. É uma pena ver um conceito tão prometedor ser prejudicado por estes deslizes, que impedem o jogo de atingir o seu verdadeiro potencial.
Um dos principais problemas reside na abordagem inconsistente das missões. Não se trata das tarefas em si, mas da forma como são apresentadas e desenvolvidas. A transição entre as cinemáticas e a jogabilidade é muitas vezes abrupta e mal-executada, acabando por afetar a fluidez da narrativa. Para além disso, os diálogos são excessivamente estéreis e robotizados, não conseguindo transmitir a emoção e a urgência necessárias para atrair o jogador. O comportamento das personagens, por vezes incoerente e estranho, também prejudica a imersão, criando uma sensação de artificialidade. Tanto as ligações entre as missões como as cenas de transição carecem de polimento, o que afeta a credibilidade global da construção narrativa. Estes pormenores, quando mal tratados, acabam por dispersar a experiência e enfraquecem o potencial das missões, deixando a sensação de que o jogo poderia ter sido muito mais coeso e envolvente.
Problemas técnicos e de design
Infelizmente, os problemas em Stalker 2 não se limitam a pequenos detalhes; são numerosos e, em alguns casos, suficientemente graves para afetar a progressão no jogo. Entre os mais óbvios estão as inconsistências relacionadas com os NPCs, que aparecem frequentemente em locais bizarros, com partes do corpo a atravessar objectos, presos debaixo do chão ou mesmo em posições cómicas. Em certas áreas já exploradas, é comum ouvir o som de tiros mesmo após o fim do combate, ou encontrar personagens envolvidos em combates que se repetem ou, pior ainda, presos dentro de edifícios a disparar contra o nada. Outro erro bizarro é quando são colocadas armas no inventário vindas do nada.
Além disso, alguns dos erros mais críticos surgem durante as missões da história principal, nas quais o facto de não se seguir o percurso exato pode impedir a progressão, uma vez que o objetivo seguinte não é ativado. Há também situações em que, devido a falhas no script, é necessário recorrer a um save anterior e repetir partes das missões. Estes problemas estruturais não só comprometem a experiência de jogo, como também destroem a imersão e deixam o jogador frustrado, tornando a viagem pela Zona de Exclusão mais um exercício de paciência do que uma verdadeira aventura.
Os problemas evidentes são sintomáticos de um jogo que claramente não chegou ao mercado num estado de acabado. A impressão é que era preciso mais tempo para aperfeiçoar o jogo e efetuar testes rigorosos. Mesmo após a atualização do dia de lançamento, os erros persistem – desde erros técnicos até inconsistências narrativas – e todos eles foram observados na versão final, sendo que os problemas eram ainda mais numerosos na fase de pré-lançamento. Esta abundância de problemas compromete a experiência global e levanta questões sobre a qualidade dos processos de controlo. Com o potencial inegável do jogo, é uma pena ver tanta promessa ofuscada por questões que poderiam ter sido resolvidas com mais tempo de produção e atenção aos pormenores.
Para além dos problemas técnicos, Stalker 2 tem aspetos de design que precisam de ser ajustados. Não se trata de erros propriamente ditos, mas de escolhas de design. A interface, por exemplo, é pouco intuitiva e carece de refinamento, especialmente na gestão de recursos, que é demasiado rudimentar. Essa mecânica requer mais agilidade e funcionalidade, principalmente para quem joga com um comando, onde a navegação se torna lenta. Outro ponto que merece atenção é o sistema de fast travel, que é bastante limitado. A limitação desse recurso faz com que seja necessário caminhar muito, o que, apesar de contribuir para a experiência na atmosfera da Zona, acaba por se tornar cansativo. Uma solução viável seria a possibilidade de acampar em locais seguros, permitindo pontos de descanso estratégicos, mas esta opção não está disponível. Estes ajustes poderiam melhorar significativamente a qualidade de vida do jogador, tornando a exploração mais fluida e menos cansativa.
No que diz respeito ao arsenal e à vasta gama de objetos disponíveis, há um aspeto particularmente desconcertante: o estado das armas. Curiosamente, as armas recolhidas dos inimigos estão quase sempre em péssimo estado de conservação, o que contrasta com o desempenho impecável que esses mesmos inimigos demonstram durante o combate. Disparam com precisão, sem falhas ou interrupções, enquanto as nossas armas, quando danificadas, encravam frequentemente e não disparam. Esta disparidade não só coloca em causa a lógica interna do jogo, como também cria um sentimento de injustiça, que rompe a coerência da mecânica de combate. Seria de esperar que o estado das armas inimigas refletisse o seu desempenho em combate, o que daria um nível adicional de realismo e estratégia à gestão do equipamento.
Outro ponto que precisa de ser revisto é a economia do jogo, um problema que já foi reconhecido pelo estúdio e que deverá ser ajustado em futuras atualizações. Atualmente, tudo é excessivamente caro, especialmente as reparações de armas e armaduras. Os preços exorbitantes não só penalizam o jogador, como também criam um desequilíbrio na progressão, tornando difícil manter o equipamento necessário para sobreviver na Zona de Exclusão. Esta estrutura parece mal calibrada, como se os custos tivessem sido definidos sem um verdadeiro teste de equilíbrio. Uma economia mais acessível ou mais bem ajustada tornaria a experiência mais justa e gratificante, encorajando o jogador a explorar e a investir em melhorias sem a sensação constante de que está a ser penalizado.
Jogabilidade e inteligência artificial
Quanto à jogabilidade propriamente dita, tem uma curva de adaptação: ao início parece desajeitada e até frustrante, mas com o tempo torna-se parte integrante da experiência. Os movimentos do personagem são limitados e rígidos, exigindo um esforço enorme mesmo para realizar ações simples como saltar ou subir para cima de um carro. Tudo parece ter um custo elevado, o que reforça a sensação de vulnerabilidade constante. O consumo de Stamina é outro elemento que requer atenção constante; esgota-se rapidamente e obriga o jogador a medir cuidadosamente cada movimento. A gestão desta barra torna-se uma espécie de “tábua de salvação”, determinando se conseguimos escapar a uma ameaça ou se ficamos à mercê dos perigos da Zona. Este sistema, embora desafiante, contribui para a tensão geral, exigindo um planeamento estratégico e reforça a sensação de que cada passo pode ser decisivo para a sobrevivência.
Não posso deixar de referir que a inteligência artificial criada pela GSC Game World é, sem dúvida, péssima e um dos maiores pontos negativos do jogo. Durante o combate, a falta de realismo e previsibilidade dos inimigos é evidente. É quase impossível chegar sorrateiramente aos inimigos, mesmo quando estamos escondidos atrás de uma parede ou em locais aparentemente seguros. Os inimigos detetam-nos sem razão aparente, como se tivessem um radar que lhes permitisse saber exatamente onde estamos, independentemente da nossa posição ou dos obstáculos à nossa volta. Quando entramos em combate direto, a situação piora: a IA parece ter uma perceção sobrenatural, sendo capaz de identificar a nossa localização com precisão, e um simples movimento pode resultar num headshot instantâneo.
A falta de inteligência tática é ainda mais evidente, pois não há espaço para flanquear ou criar estratégias, uma vez que os inimigos aparecem frequentemente de locais inesperados, como atrás de nós, de uma forma tão previsível que chega a ser ridícula. Este tipo de spawning constante e ilógico torna os confrontos muito mais irritantes do que estimulantes, prejudica profundamente a experiência de jogo ao ponto de ser quase cómico.
Sobrevivência, tensão e exploração recompensadora
No entanto, nem tudo em Stalker 2 é negativo, longe disso. Embora a Zona de Exclusão apresente inúmeros problemas, tem muitos elementos bem construídos que permitem criar realmente um ambiente estimulante quando as mecânicas funcionam corretamente. Para além das missões principais, o jogo oferece uma vasta gama de atividades secundárias e eventos dinâmicos, que permitem ao jogador explorar sem pressa e sem um objetivo fixo. É único o sentimento de satisfação quando se termina uma noite de descanso numa base segura, pega-se no arsenal cuidadosamente preparado e parte-se de novo para o desconhecido. Esta é, sem dúvida, uma das partes mais fortes do jogo, onde a experiência de sobrevivência se mistura com a exploração de territórios perturbadores. A Zona está cheia de mutantes, anomalias e outros perigos, mas também esconde tesouros valiosos, como artefactos raros, armas especiais e armaduras poderosas, que fazem com que cada recanto explorado valha a pena. Esta mistura de tensão e recompensa é o que mantém o jogador fascinado, mesmo nos momentos mais difíceis.
Tenho de ser honesto ao reconhecer a grandeza da construção da Zona de Exclusão em Stalker 2, uma área vasta e cheia de locais de interesse para explorar, que muitas vezes faz com que a narrativa principal pareça quase secundária. De facto, o jogo oferece tanta liberdade e tantas possibilidades que, por vezes, a história principal perde a sua relevância, e a experiência torna-se na exploração e na criação da nossa própria viagem. A ideia do jogador ser o arquiteto da sua experiência é uma proposta válida e eficaz: podemos decidir o que fazer, como gerir os recursos, que armas escolher, que upgrades aplicar ao nosso arsenal e armadura, e até para onde queremos ir. Isto cria uma sensação única de estarmos mergulhados num mundo em declínio, onde a sociedade praticamente desapareceu e cada indivíduo luta pela sua própria sobrevivência. Este conceito de liberdade e autossuficiência é um dos maiores pontos fortes do jogo, e a GSC Game World conseguiu realmente captar esta dinâmica, proporcionando uma experiência que transcende muitas vezes a narrativa tradicional e cria uma sensação única de viver num ambiente verdadeiramente hostil e sem regras.
Imersão audiovisual e expectativas futuras
Um dos principais fatores responsáveis pela atmosfera e pelo impacto visual é o Unreal Engine 5, que permite obter gráficos impressionantes, embora com elevadas exigências de hardware. Os visuais são, de facto, um dos pontos fortes do jogo, com vastas paisagens de floresta ricas em pormenores e edifícios cuidadosamente construídos, o que cria um ambiente credível e profundo. Esta atenção ao pormenor visual conjuga-se com uma sonoplastia de alta qualidade, que complementa a experiência e reforça a sensação de tensão e mistério. É uma sólida união de elementos a dar vida à Zona de Exclusão e cria um sentimento palpável de proximidade e perigo.
Após esta longa jornada de 60 horas, durante a qual explorei intensamente o conteúdo proposto aos jogadores, a conclusão é óbvia: a GSC Game World apressou o lançamento do jogo. O resultado é um produto que, apesar do seu potencial óbvio, parece inacabado devido ao número de erros presentes, alguns deles suficientemente graves para impedir o progresso em determinadas alturas. O estúdio está consciente destes problemas e já se pronunciou, garantindo que as futuras atualizações trarão correções. No entanto, o que foi entregue aos jogadores no lançamento é a realidade atual: um jogo que, embora baseado em ideias promissoras, sofre de erros técnicos e de polimento. Resta-nos agora esperar para ver se os compromissos assumidos pela produtora serão cumpridos e se Stalker 2 poderá finalmente atingir o seu verdadeiro potencial.
Conclusão
Apesar das falhas, há muitos aspetos bem executados neste gigantesco projeto. Stalker 2 apresenta um mundo credível e envolvente, capaz de cativar qualquer jogador que se aventure na Zona de Exclusão. Há uma enorme variedade de atividades e segredos para descobrir, tornando a exploração gratificante. Para os entusiastas da sobrevivência e para aqueles que procuram equipamento raro, existe um verdadeiro banquete: encontrar aquela arma especial ou armadura poderosa é um dos maiores atrativos. Para além disso, o cenário decadente, mas visualmente impressionante traz momentos de contemplação, com paisagens que reforçam a sensação de um mundo em ruínas. É uma construção sólida a este nível, onde a verdadeira diversão está em grande parte nas mãos do jogador, que molda a sua experiência dentro deste universo. No entanto, para que esta imersão atinja todo o seu potencial, o jogo precisa ainda de ser “remendado” e melhorado em futuras atualizações.
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