Josef Fares imaginou um brilhante jogo cooperativo de ação e plataformas, cujo engenhoso método de design fácil de interpretar, mas desafiante de ultrapassar surge numa gloriosa homenagem aos criadores, jogadores e indústria dos videojogos. Multifacetado, graficamente fenomenal e repleto de momentos de jogabilidade que te vão deixar sempre a desejar mais.
Split Fiction mostra Josef Fares e a sua Hazelight a fazer algo que nos dias de hoje é incrivelmente raro, um crescendo de qualidade no terceiro jogo consecutivo que é simplesmente belo de admirar. Numa era de incrível diversidade, as melhores propostas frequentemente surgem dos mais inesperados nomes, mas Fares e Hazelight já foram amplamente reconhecidos pela indústria, que é aqui homenageada de uma forma especialmente pertinente e astuta.
A indústria dos videojogos está repleta de engenho e diversidade, o que significa que são precisas ideias firmes e próprias para se diferenciarem. Split Fiction é precisamente isso mesmo, uma homenagem aos videojogos, moldada como uma alegoria a este meio artístico, super apimentada na forma como trata diversos parâmetros controversos.
A forma como Fares e a sua equipa escreveram uma narrativa que pega em todos os elementos da indústria, desde os mais polémicos aos mais apaixonantes, combinada com o desejo de perseguir ação e aventura cooperativa em ecrã dividido, ajuda a tornar a sua jogabilidade tão empolgante de uma forma que só pode ser vista como um grande triunfo.
Homenagem aos videojogos
Split Fiction foi desenhado como uma energética homenagem aos videojogos, mas não se restringe às obras maravilhosas que recebemos ao longo das décadas, inclui tudo o que está relacionado com este passatempo, com referências a muita da polémica conversa que corre online sobre a indústria.
Mio e Zoe são duas escritoras que participam num projeto pioneiro de uma editora, com o objetivo de publicarem o seu primeiro trabalho. Existem imensas ideias nas suas cabeças, inspiradas pelas suas próprias vidas, mas escreveram algo que no fundo representa quem são. Mio apostou num livro de ficção científica, com muita ação e um regime autoritário, enquanto Zoe escreveu uma fábula na qual presta homenagem a pessoas especiais.
Este projeto, pensado para permitir aos autores entrarem dentro das histórias que escreveram, corre mal quando Mio inesperadamente cai na história de Zoe, iniciando um choque de capítulos que alternam entre o livro de ficção científica e a fábula mágica adorável. Fares e a sua equipa pegaram na realidade e adaptaram-na para um videojogo pois é impossível não pensar em Mio e Zoe como representantes dos escritores e criadores que pegam numa ideia que está na sua mente e trabalham com outros até a transformarem numa obra interativa para a qual podes escapar desta nossa realidade.
Tens os escritores e criadores da obra, que lidam com os seus dramas e pressões de transformar ideias em algo jogável e apreciado, tens o equivalente ao CEO que apenas visa o lucro dos acionistas, tens a mega corporação a tirar proveito dos pequenos criadores, tens os trolls, tens os críticos, e claro, tens criaturas, segmentos ou níveis inteiros que vão mais longe, prestam homenagem às mais variadas obras dos videojogos.
É uma abordagem engenhosa que não é de forma alguma obra do acaso, Split Fiction é um jogo memorável, uma cooperativa experiência cinematográfica de 12 horas cuja jogabilidade e identidade artística vibram com o mesmo talento que marca o enredo de uma surpreendente homenagem a esta indústria.
Jogabilidade multifacetada e dinâmica
Split Fiction é um título cuja multifacetada jogabilidade foi claramente inspirada por alguns dos maiores clássicos da indústria, repleto de homenagens que os jogadores, especialmente os que jogam há várias décadas, vão facilmente reconhecer e apreciar. Além de pistas visuais para personagens famosas, a dinâmica jogabilidade está desenhada com tantas facetas que é difícil não as associar a aclamados clássicos.
Uma vez que a história em torno de Mio e Zoe te leva para ambientes de ficção científica e fantasia, o catálogo de jogos que a Hazelight consegue homenagear é imenso, o que também significa diversificadas abordagens à jogabilidade. Num momento, estás num ambiente de ficção científica bélica que parece misturar Killzone com Dune, noutro estás a viver um conto de fadas com castelos lindos de apreciar agraciados por céus deslumbrantes cujas cores se tornam hipnotizantes.
As surpresas são mais do que muitas, por isso existem imensos exemplos que ficam por mencionar para não estragar a experiência, mas escrevo que se num momento tens segmentos claramente inspirados em Crash Bandicoot, a dada altura parece que estás a jogar um Metroid. A Hazelight merece parabéns por todos estes segmentos e não existe um único nível que me tenha aborrecido, que sinta estar a mais.
Nem sequer as side stories, níveis opcionais, escapam a este brilhantismo, também são homenagens a jogos, filmes, livros ou sérios apreciados pela cultura popular, transformados em empolgantes momentos de jogabilidade. É um dos elementos através dos quais a qualidade geral é elevada e a Hazelight conquista imenso respeito pois a atenção ao detalhe merece ser apreciada.
Como seria de esperar numa experiência tão multifacetada, as mecânicas estão constantemente a mudar. Existem movimentos específicos de um capítulo, como viajar em cima de uma criatura gigante, o que cria uma sensação de constante novidade, sem de forma alguma complicar os controlos ou a tua compreensão do jogo. O que é permanente é a constante necessidade de entreajuda por parte das duas pessoas que jogam, seja para alcançar novos locais ou solucionar puzzles.
Num momento és uma espécie de ninja cibernético com uma espada ou chicote futuristas, no outro és uma criatura mágica numa floresta na rota ao castelo encantado. Além das mecânicas, isto também significa uma grande variedade de perspetivas. Num momento tens um jogo de ação e plataformas 3D no qual jogas com a personagem à tua frente, como de repente estás a correr em direção à câmara ou em deslocação lateral como num Metroidvania.
Estas mudanças no “estilo de jogo” fazem mais do que mudar a perspectiva, também interferem com os controlos. Num momento, o analógico direito controla a câmara noutros serve para controlar armas ou habilidades especiais. A forma como a Hazelight “brinca” com a câmara, mecânicas e a jogabilidade é impressionante. Isto até inclui as intensas e frenéticas boss fights.
Momentos gráficos magia e esplendor
Split Fiction é um triunfo da interpretação do significado de um videojogo, vindo de quem realmente está a par de todos os seus momentos, desde a génese da ideia na mente de um criativo, ao esforço de passar meses a trabalhar em linhas de código, a pressão de obter apoio e financiamento, sem esquecer o momento em que finalmente chega às lojas e é jogado. Parte desta vitória da Hazelight está no design, seja no estrutural como no visual.
A experiência de jogabilidade está desenhada para maximizar a diversão, a Hazelight claramente pretende que o jogador flua entre níveis sem grandes atritos para sorrir e apreciar as suas ideias. Uma grande parte disso está no ritmo dos movimentos, aquela tal matemática tão importante para jogos de plataformas, algo que até o posicionamento de objetos afecta, mas outra grande parte está no design visual, no feedback imediato que tens ao apreciar as novas cenas para identificar rapidamente para onde ir, o que fazer.
Este é um hino ao método matemático das plataformas, à capacidade para equilibrar ritmo e desafio com design, coisa suficientemente rara que merece ser elogiada pelo mérito. Temos ambientes futuristas de ficção científica que são na sua maioria visualmente impressionantes (existem ocasionais momentos com gráficos abaixo da média) e outros de fantasia medieval, em tom de fábulas em níveis cuja beleza artística te faz parar para apreciar.
O método das linhas amarelas, aquela tática usada pelas produtoras para criar um design gráfico que indica constantemente ao jogar para onde ir, surge aqui numa das melhores aplicações que já vi. O esquema de cores em todos os níveis é usado para identificar com facilidade para onde temos de ir e o que fazer, basicamente impedir que fiques à toa sem quebrar o ritmo de jogo. Desta forma, estás sempre focado na jogabilidade, em saltar entre plataformas e resolver quebra-cabeças.
O jogo é linear e nem sequer as áreas opcionais estão exatamente escondidas, pelo contrário, estão bem assinaladas, mas o método da Hazelight revela grande astúcia na implementação. É muito difícil ficar perdido, quando chegas a um novo local parece que já sabes o que fazer, mas não é porque tens algo descarado a apontar para lá, é graças ao talento do design de níveis combinado com o design artístico, uso de cores e estrutura de níveis. Simples, mas fabuloso.
Conclusão
Split Fiction é uma alegoria para os videojogos, obras interativas nas quais mergulhamos para escapar aos dramas da vida real. A escrita de Fares é simples, mas engenhosamente eficaz e muito pertinente, tal como o método empregue pela equipa que liderou, este é um jogo desenhado para ser fácil de perceber o que é preciso fazer, mas desafiante na execução. É precisamente isto que acaba por conquistar todo o tipo de pessoas, sejam ou não jogadores, de qualquer idade. Split Fiction é um jogo para partilhar com todos, para mostrar a todos o porquê deste ser o teu passatempo favorito. Se haviam dúvidas, dissiparam-se com Split Fiction, a Hazelight é uma produtora de trabalhos de autor, de seu nome Josef Fares.
Prós: | Contras: |
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