Uma reportagem do The New York Times noticiou que “Líderes religiosos experimentam IA para disseminar mensagens, mas uso em sermões é polêmico”. No Brasil, a maioria dos pastores provavelmente não usará esse recurso para criar sermões. Porém, fora desse contexto, “eu profetizo”: a IA fará sucesso entre os evangélicos brasileiros como uma espécie de oráculo.
Ferramentas como o ChatGPT, NotebookLM e outras foram incorporadas —ainda que com alguma relutância— pelo jornalismo e pela academia. No entanto, a recepção dessas tecnologias pelos pastores tende a ser diferente. Há 30 anos ensino homilética, disciplina na qual futuros pastores aprendem a elaborar e pregar sermões. Nesse período, sempre percebi resistência à ideia de que uma pregação seja completamente escrita.
O sermão ocupa o centro do culto evangélico. Na tradição protestante herdada da Europa e dos Estados Unidos, por meio das Igrejas Luterana, Presbiteriana, Metodista e Batista, a elaboração do sermão dominical sempre foi uma das principais atividades do pastor, envolvendo o hábito de escrevê-lo.
Esse modelo, contudo, pressupõe formação acadêmica nos moldes universitários e dedicação integral ao ministério pastoral. Para isso, o pastor precisa de tempo para ler, pesquisar e redigir suas mensagens. Mas poucos têm esse privilégio, muitas vezes devido a outras ocupações necessárias para sustentar suas famílias. Além disso, na tradição pentecostal —a mais popular no Brasil— entende-se que o sermão é inspirado pelo Espírito Santo. Assim, escrever previamente a mensagem soa como falta de dependência do poder de Deus.
O New York Times também perguntou: “Deus pode falar por meio da IA?”. A resposta, de acordo com a teologia cristã evangélica, é sim: Deus pode se manifestar através da inteligência artificial.
Explico: nos últimos cinco séculos, os protestantes têm cultivado a crença de que o texto sagrado deve ser amplamente distribuído. A convicção é que o Espírito Santo utiliza as palavras escritas para converter os leitores. Os pregadores são apenas distribuidores da mensagem, e o milagre da conversão ocorre no coração dos leitores pela ação divina.
Minha aposta é que a IA será incorporada como mais um recurso para disseminar o conteúdo bíblico. Por ser uma inteligência generativa, a IA pode ser treinada para responder às perguntas dos fiéis dentro de contextos doutrinários específicos, fortalecendo a devoção a Deus.
Entre os evangélicos brasileiros, a tradição da “caixinha de promessas” sempre foi popular. Trata-se de uma pequena caixa contendo versículos bíblicos que os crentes escolhem aleatoriamente, contextualizando-os às suas experiências. Agora, essa dinâmica pode mudar: será possível perguntar à IA: “O que Deus tem a me dizer hoje sobre isso ou aquilo.
Devemos lembrar que as pessoas não são passivas nesse processo. Elas buscam mensagens religiosas a partir de suas próprias perguntas e interesses. Se a mensagem faz sentido, elas a seguem; caso contrário, descartam. Esse comportamento refuta a ideia de que os crentes são sempre manipulados por líderes religiosos que usam textos bíblicos para enganá-los.
Embora a IA provavelmente não seja usada para escrever sermões no Brasil, ela pode se tornar uma ferramenta útil para os fiéis. Por exemplo, os membros das igrejas poderão verificar se o sermão do pastor está alinhado com a Bíblia e com a corrente doutrinária da igreja. Aliás, estou testando essa possibilidade com sermões feitos no primeiro domingo do ano por alguns pastores conhecidos. Na próxima semana, compartilharei os resultados com vocês.