Trump mal anunciou a vitória e o mundo já parece um lugar bem pior, especialmente para as mulheres. Basta olhar para a maneira como alguns de seus mais entusiasmados eleitores comemoraram a notícia:
“Seu corpo, minhas escolhas”, disse um.
“Vocês não têm mais direitos”, bradou outro.
“Os homens estão de volta no comando.” Como se um dia tivesse sido diferente.
Aí vai ter gente dizendo: “mas esses radicais são uma minoria!”. É verdade. Mas o que uma minoria diz na internet, uma maioria disse nas urnas, elegendo um criminoso condenado por agressão sexual.
A mensagem foi clara: para uma bela maioria dos homens americanos, agressão sexual não é um crime sério o suficiente a ponto de desqualificar alguém para a presidência. Para eles, há coisas mais importantes a serem consideradas.
E é na esteira dessa conclusão deprimente que uma outra notícia passou a pipocar aqui e ali e me chamou atenção.
“Após vitória de Donald Trump cresce interesse de mulheres em movimento 4B.”
Eu nunca tinha ouvido falar no tal 4B, movimento feminista nascido na Coreia do Sul, que advoga pela independência das mulheres através de um boicote ao casamento, à maternidade, aos relacionamentos amorosos e ao sexo com homens.
Trata-se de uma resposta radical à uma rígida estrutura patriarcal que encurrala mulheres entre a insegurança financeira (de acordo com a OCDE, o país figura entre os piores do mundo em relação à disparidade salarial de gênero) e o papel de belas, recatadas e do lar (qualquer semelhança com o Brasil não há de ser mera coincidência).
O cenário nos Estados Unidos antes mesmo da mais recente vitória de Trump já dava sinais de caminhar na direção do retrocesso, com direitos sendo revogados, feminicídios em alta e uma crescente normalização do discurso de ódio nas redes. É portanto tentador olhar para a eleição como a última gota neste caldeirão de misoginia.
A vitória de Trump é de fato uma derrota para as mulheres. E, assim como a esquerda (outra perdedora deste e de outros recentes pleitos mundo afora) precisa rever suas estratégias, o feminismo provavelmente deveria fazer o mesmo. E é aí que alternativas como o 4B entram em cena: esgotadas as possibilidades de conversa, seria o rompimento total uma solução?
Não posso negar que a pergunta me deixa um gosto amargo na boca. Um gosto de aceitação da derrota. Afinal, numa estrutura comandada por homens, nos alienar deles me soa como um silêncio forçado, como a entrega do campo de batalha para o outro lado.
Não tenho respostas. Mas sinto que o caminho passa, sem dúvida, por nos fortalecermos umas às outras: comprar de mulheres, contratar mulheres, promover mulheres, votar em mulheres.
Mas, sem medo do potencial apedrejamento, me sinto obrigada a também repetir a frase que eles amam dizer e nós odiamos ouvir: “nem todo homem”. Nem todo homem é o inimigo. Há por aí alguns aliados. Ninguém me contou, eu mesma que vi. Homens abertos a ouvir, a conversar, a oferecer espaço no palco, a abrir mão de privilégios, a agir em prol da mudança. Eles não são muitos, eu sei. Mas existem. E como mãe de um menino de dois anos, eu não posso perder as esperanças de que, um dia, eles serão muitos. E eu os quero lutando conosco.
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