Hellblade II é uma peça de tecnologia impressionante à qual foram adicionados alguns elementos que permitem ao jogador interagir com a apresentação. Apela a quem gosta destas experiências, mas quem prefere controlar, ser desafiado, fazer as coisas de formas diferentes e até experimentar outras opções de progressão, não vai encontrar nada disso aqui.
Senua’s Saga: Hellblade II está finalmente concluído após uma longa caminhada desde o seu anúncio em 2019. Durante esses anos, levantaram-se incertezas sobre a firmeza do projeto e a sua posição como um dos principais títulos exclusivos da marca Xbox nas consolas da Microsoft. O primeiro jogo foi uma agradável surpresa, destacando-se como uma aposta diferente e em certa medida considerado como uma obra de nicho. No entanto, com a sequela, a produção tornou-se mais ambiciosa e de maior escala, facto que reflete um salto significativo em termos de recursos e expectativas.
Aguarda-se bastante deste lançamento, especialmente num ano relativamente carente de grandes títulos no ecossistema Xbox, no que diz respeito às propriedades intelectuais da Xbox Game Studios. Neste contexto, a Ninja Theory enfrenta uma pressão adicional em relação ao seu trabalho anterior, agora com um orçamento maior e uma equipa alargada. A responsabilidade é significativamente maior, uma vez que os olhos da indústria estão postos no seu trabalho. Consequentemente, os críticos serão mais rigorosos ao avaliarem o resultado final de todos estes anos de desenvolvimento.
Esta é uma sequela direta de Hellblade: Senua’s Sacrifice, lançado em 2017, que dá continuidade aos eventos do primeiro título. Situado na Islândia do século IX e inspirado na mitologia e cultura nórdicas, mantém a jogabilidade baseada num combate muito restrito e na resolução de puzzles. No entanto, traz melhorias consideráveis, com combates mais rápidos e visuais melhorados graças ao novo Unreal Engine 5. Além disso, preserva o terror psicológico e o foco na luta de Senua contra a psicose que a atormenta.
Regresso ao tormento
Sem me aprofundar demasiado nos detalhes da narrativa, para não estragar a vossa experiência, direi que esta sequela explora mais uma vez a luta interior de Senua, com as vozes que a acompanharam ao longo de grande parte da sua vida, os pesadelos que não se distinguem do mundo real e a sua capacidade de ver o que os outros não conseguem. Desta vez, a viagem assume uma nova direção; Senua já não luta pela salvação da alma do seu adorado, passando a encarar uma constante preocupação com os outros, colocando-se num plano secundário a fim de ajudar os mais necessitados.
Com aconteceu antes, no primeiro jogo, temos uma caminhada lenta, uma iniciativa que já se encontra vincada, com muita construção de sentimentos no jogador através de concretizações artísticas elaboradas para nos mergulhar de cabeça no mundo louco de Senua, no mundo de delírios, onde nem sempre sabemos que as coisas são mesmo reais ou apenas fruto da sua imaginação. Esta construção lenta é a partida para todo o percurso, iniciada com uma penosa caminhada pela angústia da mente e do estado físico do corpo de Senua.
Pode dizer-se que, a certa altura, tudo se conjuga na perfeição, com a envolvência a alcançar patamares que impressionam, impulsionada pelo fenomenal trabalho de áudio e alicerçada em visuais de cortar a respiração. Hellblade 2 é, de facto, um prodígio técnico, uma montra do poder da tecnologia Unreal Engine 5, que contribui enormemente para criar uma atmosfera credível de uma dimensão raramente vista nos videojogos. Toda esta riqueza visual é explorada com mestria pela Ninja Theory, transportando a atmosfera pesada do jogo diretamente para as mãos e olhos do jogador, através de uma excelente construção artística, onde tudo parece incrivelmente real. Esta criação é pura arte; os visuais apresentados são tão cativantes que é difícil não nos sentirmos apaixonados ao assistir a todo o cenário que se desenrola no ecrã.
Voltando ao jogo em si, trata-se de uma lenta assimilação de momentos, em que a sobrevivência é a prioridade inicial. Deambulamos por locais sombrios, repletos de vestígios de mortes sangrentas, sofrimento e pura loucura. Os elementos são apresentados em simbiose com a arte, convidando-nos a resolver puzzles que nos permitem progredir, enquanto somos constantemente atormentados por vozes que se contradizem nas ações que tomamos. Estas conversas na cabeça de Senua, por vezes loucas e desconcertantes, contribuem para a atmosfera de incerteza. Tudo isto acontece enquanto descobrimos o que temos de fazer para seguir em frente e sobreviver um pouco mais.
Viajar nos sentimentos, com proezas técnicas brutais
Esta é a forma de se jogar Hellblade, tanto no original como nesta sequela. Somos guiados por uma narração estimulante, quer pelas vozes imaginárias de Senua, quer por um narrador. Esta abordagem particular de contar uma história num videojogo funcionou bem no primeiro título e continua a ser eficaz nesta segunda incursão. Embora se pudesse esperar uma nova dimensão ou algum tipo de surpresa, a narrativa mantém-se em parte cativante, especialmente graças ao excelente trabalho de áudio, que intensifica a ligação emocional e a envolvência.
Numa viagem repleta de sentimentos, Hellblade 2 procura satisfazer dois componentes importantes: uma narrativa estimulante e elementos de jogabilidade que evitem a monotonia. No entanto, é na segunda componente que se verifica uma enorme incapacidade para cumprir a missão proposta. Embora existam puzzles para desvendar e segredos para descobrir, estes não são particularmente complexos. Os combates, que ocorrem em momentos específicos, são algo rígidos e previsíveis, limitando-se a enfrentar os inimigos apresentados e a premir os botões de esquivar, bloquear e atacar. Desta forma, apesar da experiência narrativa rica e emocional, os elementos de jogabilidade são insuficientes para manter os jogadores satisfeitos.
O combate desiludiu-me bastante. Embora mantenha semelhanças com o jogo anterior, esperava uma maior liberdade de ação. Os confrontos são demasiado repetitivos, ao ponto de se tornarem irritantes por não trazerem novidades ou desafios adicionais. A sensação é que estas lutas foram incluídas apenas para acrescentar ação e evitar que a experiência se torne monótona. Além disso, o design dos bosses é particularmente lamentável. Sem entrar em pormenores para evitar spoilers, é evidente que a intenção de se afastar dos bosses convencionais não funcionou como esperado, estes encontros, em vez de enriquecerem a jogabilidade, acabam por desiludir ainda mais, pois não acrescentam qualquer valor a uma experiência que já carece de conteúdo interativo.
Muito poucos elementos de gameplay
De facto, é nos elementos de jogo que concentro as minhas críticas negativas. São tão poucos que, durante a maior parte das horas, não consigo considerar Hellblade 2 como um verdadeiro videojogo, mas sim como uma experiência audiovisual concebida para envolver o jogador que apenas assiste. Na maior parte do tempo, a interação resume-se a carregar no botão direcional para andar, ultrapassar obstáculos e passar por aberturas estreitas. Acreditem, a jogabilidade não é muito mais do que isso. Para além dos combates pré-definidos, foi apenas isto que a Ninja Theory preparou para os jogadores “jogarem”.
Avaliar Hellblade 2 é um dilema complicado, uma vez que se trata de algo com componentes magníficos, como visuais deslumbrantes e um design de som incrível, mas que não consegue fornecer elementos jogáveis suficientes, e os poucos que tem são demasiado básicos. A narrativa, embora minimamente eficaz, não se destaca como uma obra de arte. Se não fosse o extraordinário trabalho artístico desta obra-prima tecnológica, estaríamos perante uma narrativa despida, que apenas assume um aspeto épico pelos feitos incríveis do Unreal Engine 5. Olhando para o conteúdo do enredo, percebe-se que não há nada de verdadeiramente transcendente na escrita.
Vale a pena destacar uma das partes mais fundamentais desta experiência cinematográfica com alguns elementos de jogabilidade: o áudio. É inacreditável, e confesso que foi o jogo que mais me impressionou, com um trabalho excecional em todos os aspetos do som. Desde os sons da paisagem, às conversas na cabeça de Senua, à narração, tudo está concebido de forma a que sintamos esses sons em diferentes áreas do nosso cérebro. É possível distinguir a direção dos sons, que por vezes parecem vaguear pela nossa cabeça, movendo-se por diferentes partes da nossa mente. Não é fácil de explicar; só jogando e experimentando é que se pode compreender o que a Ninja Theory preparou para os jogadores.
Como já afirmei várias vezes, trata-se de uma peça de tecnologia magistral, com visuais impressionantes e totalmente sem ecrãs de carregamento. Joguei-o no PC e na Xbox Series X, e não há como voltar à versão da consola da Microsoft depois de experimentar a fluidez do PC. Apesar de ser extremamente exigente em termos de hardware, notei que existem muitas opções para configurar o jogo de acordo com as características da nossa máquina, proporcionando uma experiência fantástica. A Ninja Theory conseguiu encontrar um bom equilíbrio para o PC, tornando Hellblade 2 jogável numa grande variedade de configurações de hardware. Quanto à versão Xbox Series X, embora tenha uma excelente fidelidade visual, o desempenho a 30fps é bastante incómodo. Aceitar produções a 30fps hoje em dia é complicado, e jogar num ecrã OLED, como o meu, torna-se uma tortura total, já que estes ecrãs têm um problema grave com apresentações que tenham um desempenho abaixo dos 60fps.
Conclusão
Em jeito de conclusão, Senua’s Saga: Hellblade II é um exemplo fenomenal da tecnologia Unreal Engine 5, combinada com um design de som excecional. Não há nenhum título como este nestes dois domínios, que transcendem tudo o que foi mostrado até à data. No entanto, a falta de um argumento narrativo mais capaz e os poucos elementos jogáveis tornam o trabalho da Ninja Theory um pouco insípido. Com efeito, é mais uma impressionante amostra tecnológica à qual foram adicionados alguns elementos que permitem ao jogador interagir com a apresentação. Será certamente apelativo para quem gosta destas experiências, que colocam todo o processo num acompanhamento mais passivo dos acontecimentos. Aqueles que preferem controlar, ser desafiados, fazer as coisas de formas diferentes e até experimentar outras opções de progressão, não vão encontrar nada disso aqui. No entanto, há que aceitar que este é, de facto, o objetivo desta produção, tal como aconteceu com a sua predecessora.
Prós: | Contras: |
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