A artesã Zuleika Henrique dos Santos, 27, saiu de Oiapoque, que concentra 80% da população indígena do Amapá, para morar em Macapá. Da etnia galibi-marworno, ela conta que foi à capital para estudar enfermagem com objetivo de melhorar o atendimento de saúde na sua comunidade.
Zuleika nasceu e cresceu na aldeia Kumarumã, na terra indígena Uaçá, na região de fronteira com a Guiana Francesa. Lá, aprendeu a fazer artesanato, que hoje é a sua principal fonte de renda. Na capital, a 590 km de Oiapoque, teve a oportunidade expandir o negócio e os seus contatos.
“A convivência em Macapá é totalmente diferente da nossa realidade como indígena, mas aprendi a lidar. Foi difícil, mas como eu sou artesã, tenho minha fonte de renda para poder pagar o aluguel, a alimentação e o transporte”, destacou.
Formada em curso técnico de enfermagem, Zuleika ainda busca espaço mercado de trabalho nessa área, enquanto tenta ingressar na universidade. Em Macapá, sonha em voltar para casa e proporcionar uma assistência de saúde melhor.
“Eu não posso desistir, porque tenho um objetivo. A nossa comunidade é muito carente da parte de saúde, não tem médico, não tem enfermeiro, e quando tem é difícil a entrada [na aldeia], mas a gente está tentando buscar melhorias. Eu saí da comunidade para capital para me formar e retornar com uma boa profissão, e assim ajudar o meu povo”, acrescentou.
Zuleika faz parte dos 54% dos indígenas que vivem em áreas urbanas, do total de 1,7 milhão no país, segundo novo dado divulgado nesta quinta-feira (19) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Esse percentual é superior ao registrado no Censo 2010, quando a proporção era de 36,2% (324,8 mil).
A antropóloga indígena Taynara Munduruku atribui a migração da aldeia para a cidade a três principais questões: educação, em primeiro lugar, seguido por saúde e segurança alimentar. Para ela, a falta desses direitos básicos, além de uma violência, faz parte do processo de colonização, que obriga os povos originários se afastarem de seus territórios.
“Muitas famílias acabam migrando para a cidade para que o filho possa ter aulas presenciais. A gente entende todas as problemáticas do ensino tecnológico dentro das comunidades indígenas. O ensino básico por si só ainda é muito falho, muito desigual. E nem todas as comunidades têm ensino médio presencial”, afirmou Munduruku.
Morando em Manaus, a cidade com maior número de indígenas do Brasil, a antropóloga destaca que os processos migratórios dos povos indígenas para áreas urbanas nunca foram feitos de forma saudável. Há relatos de violações de direitos e violência, seja física, com invasão de territórios, ou mental, por meio do preconceito.
Ela cita, como exemplo de preconceito, a falta de uma educação diferenciada voltada para povos indígenas, respeitando as especificidades culturais de cada povo, e a intitulação do termo pejorativo “índio”, que remete a atraso e outros conceitos ofensivos.
“A respeito dos jovens indígenas, quando eles passam por esse processo de migração de forma individual ou de forma conjunta com sua família, qual o processo de retorno dessas pessoas para a base? A base estará preparada para receber esses profissionais indígenas?”, questiona.
Segundo Munduruku, muitos indígenas profissionais da educação, em algum momento, conseguem voltar para a sua base e desenvolver um trabalho de educação escolar indígena, específica e diferenciada, mas com todas as problemáticas da falta de estrutura.
“Dentro da academia, a gente sempre fala que escreve as nossas teses e dissertações porque são processos de reocupações para nós. Enquanto pesquisadores na pós-graduação, a gente escreve para os nossos povos, não para a academia branca. Estamos reescrevendo a nossa própria história”, finalizou.