Ouvi num podcast: em reuniões com seus ministros, generais, empresários ou mesmo com emissários internacionais, o ditador líbio Muammar Gaddafi soltava puns. Muitos.
Quando o poder sobe à cabeça você rouba do erário público, prende os críticos, mata os adversários: isso é um tirano. Mas quando o poder trovoa pelas partes trás-austrais do seu corpo, sem qualquer traço de pudor, é que você pode dizer: isso é um déspota. Só quem tem total controle sobre seus súditos pode relaxar no controle dos seus esfíncteres.
Fiquei imaginando se alguém, por descuido, já teria rido de um desses puns. Fiquei imaginando, sei lá, um ministro das Finanças com pós-doc na London School of Economics rachando o bico e sendo condenado ao paredão. Será que a verdade constaria na Wikipedia do infeliz? “Fulano de tal, ministro das Finanças do Líbano entre 1987 e 1994, foi condenado à morte após rir de um flato do ditador Muammar Gaddafi, numa reunião ministerial a respeito da baixa do preço do barril do petróleo brent, em 19 de agosto de 1994″.
Essa hipótese tragicômica (ou comitrágica, a se respeitar a ordem dos fatores) me levou a outras especulações. Não deveria haver mais eventos escatológicos descritos na história? Aprendemos, por exemplo, que a Primeira Guerra Mundial começou com o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, em Sarajevo, no dia 28 de junho de 1914. Ou que Dom João 6º veio pro Brasil fugindo de Napoleão. Mas não lembro de um único fato importante no curso da humanidade que tenha sido creditado a um piriri. Digamos: “na votação que decidiria se as eleições seriam diretas ou indiretas, ao fim da ditadura, dezenas de deputados da oposição comeram uma maionese estragada num churrasco oferecido por Leonel Brizola. Por conta da diarreia, faltaram à Câmara”.
Na passagem do ano, perdi os fogos na praia porque eu e a minha filha estávamos com uma virose dos diabos. À meia-noite, de cama, só ouvimos os estouros —e não sabíamos se eram de fora do quarto ou de dentro das nossas barrigas. Se na minha pequena história, com agá minúsculo, uma diarreia faz perder o Réveillon, por que na História, com agá maiúsculo, não poderia acontecer pior?
Um dia calhou de eu parar numa mesa de bar com um ator que deixava Don Juan no chinelo. O cara tava no auge. Mocinho em novela das nove. Peça lotando teatro de shopping. Protagonista de filme chato e premiado. Chegou à mesa uma mulher lindíssima.
Antes de sentar, já estava apaixonada. Quinze minutos, iam pedir a conta. Mas aí ele espirrou e uma meleca ficou pendurada num pelo, na ponta do nariz. Acabou ali. Nem 30 pontos de Ibope nem cem quilos de músculos nem três kikitos venceram uma bolota do tamanho da cabeça de um alfinete.
Quantos ministérios, tronos, papados ou mesmo impérios podem ter sido derrotados de forma parecida? Vai saber se Marco Antônio e Cleópatra não se suicidaram e deixaram que o Egito fosse anexado por Roma porque ele caiu em desgraça após, sei lá, um pum molhado? Ou porque ela, com tanto delineador, foi ficando cada vez com mais ramela?
Dizem que a história é escrita pelos vencedores. Não tenho tanta certeza. Talvez os vencedores façam a história e os perdedores a escrevam. Nesses livros, claro, não vão querer que constem detalhes tão mundanos de suas derrotas. Preferem passar pra posteridade com sangue nas mãos do que com as mãos amarelas. Embora o Gaddafi, coitado —bem feito—, vá ser lembrado por ambos. (Como lição, acho prudente segurar tanto os puns quanto os instintos homicidas. Necessariamente não nessa ordem.)
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