Segundo a Justiça, o adolescente, na época do ocorrido, era funcionário em uma marmoraria e os proprietários o convidaram para participar de uma cerimônia religiosa. Na celebração, eles fizeram o adolescente beber o chá de ayahuasca sem o consentimento dos pais e, depois, mantiveram o jovem em cárcere privado. Imagem de arquivo – Ayahuasca tem sido investigada quanto ao potencial terapêutico.
Biraci Junior Yawanawá/Acervo Pessoal
Na última semana, a Justiça manteve a decisão que condenou um casal a 2 anos e 4 meses de reclusão e 3 meses de detenção por manter um adolescente de 16 anos em cárcere privado após fazê-lo tomar chá de ayahuasca em São José dos Campos, no interior de São Paulo. A bebida foi dada ao jovem sem o consentimento dos pais dele.
A Ayahuasca é um chá de origem indígena, usado há séculos por povos originários da América Latina para tratamentos terapêuticos. Apesar de tradicional entre os indígenas e em algumas vertentes religiosas, ainda há poucas pesquisas científicas sobre o assunto – saiba mais abaixo.
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O g1 conversou com dois médicos psiquiatras, que explicaram a origem do chá, quando o uso é permitido e os riscos de saúde que quem consome a bebida fica sujeito.
O chá de Ayahuasca é permitido pelo Conselho Nacional de Políticas Sobre Drogas (Conad) em cultos religiosos, mas a liberação possui algumas regras.
Entre as regras está a proibição do consumo do chá por pessoas que estão sob efeito de outras drogas. O consumo por quem tem histórico de doenças mentais também não é permitido. De origem indígena, o chá de Ayahuasca é feito com duas plantas, sendo elas o arbusto-chacrona e o cipó-jagube. A origem da palavra é “vinho dos mortos”.
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A médica psiquiatra Samantha Smith de Brito, que atua em São José dos Campos, explica que a ayahuasca tem origem indígena e que é tida como um remédio alucinógeno, muito utilizado por religiosos, mas que o uso não é indicado por médicos.
“A ayahuasca foi desenvolvida, na verdade, por índios americanos. E depois ela chegou aqui na América do Sul e veio para o Brasil através dos povos indígenas da Amazônia. Só que, hoje em dia, a ayahuasca está presente em diversos rituais. Ela acabou se espalhando aqui pela região Sudeste, Nordeste e Sul do país”, contou.
“A ayahuasca é permitida o uso no Brasil desde que seja de cunho religioso, mas como droga medicamentosa ela é proibida, os médicos não podem prescrever, não podem indicar o tratamento, no Conselho de Medicina não existem diretrizes que colocam a ayahuasca como um medicamento, como uma terapia, seja para qualquer patologia”, alegou.
Médica psiquiatra Samantha Smith de Brito, que atua em São José dos Campos.
Arquivo pessoal
Ainda segundo a médica, mesmo em terapias religiosas, há riscos em utilizar o chá de ayahuasca.
“Então, existe sim um risco das pessoas consumirem ayahuasca. Se uma pessoa que tem uma genética para desenvolver algum transtorno psicótico, por exemplo, esquizofrenia, ou transtorno bipolar, ou alguma outra doença psicótica, e a pessoa que faz o uso da ayahuasca, ela pode desenvolver esse transtorno de uma forma mais agressiva e mais rápida. Inclusive, eu tenho alguns pacientes que, hora ou outra, eles me perguntam: ‘Doutora, o que você acha de eu consumir a ayahuasca?’ E a minha orientação é para que não consuma, porque realmente não tem estudos suficientes”, informou.
“Um outro problema é que não se sabe a dose que é utilizada ali no líquido, você não sabe qual a quantidade foi usada, qual a concentração. A gente desconhece também os mecanismos fisiológicos dessas plantas no nosso organismo, então ela é reconhecida apenas para cunho religioso”, afirmou.
Folhas para a preparação da ayahuasca
BBC/GETTY IMAGES
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Sobre o uso do chá da erva em crianças e adolescentes, a psiquiatra avalia que é ainda mais arriscado, pois o sistema neurológico da criança está em desenvolvimento e pode ser afetado.
“A criança é um cérebro que está em formação, então você usar uma droga psicoativa num cérebro em formação é realmente muito arriscado e muito perigoso. Essa criança pode vir a desenvolver algum transtorno psíquico ou psicótico por causa do uso da ayahuasca”, ponderou.
O médico psiquiatra Dr. Sérgio Rosa Junior, que atende em Taubaté, tem vasta experiência no tratamento de transtornos mentais e também afirma que esse chá tem efeito alucinógeno, podendo alterar a forma como a pessoa que consumiu o chá enxerga a realidade. Ele destaca que é contra o consumo do chá por crianças e adolescentes e destaca que a bebida ainda não tem comprovação científica que confirmem benefícios para a saúde.
“Esse chá tem algumas substâncias alucinógenas que são absorvidas pelo nosso sistema nervoso central durante o consumo. Essas substâncias alteram mecanismos e provocam uma deturpação da realidade. Por conta dessa deturpação da realidade, em que as pessoas passam a ter até uma visão diferente das coisas, muitos acham que vão se curar de doenças psiquiátricas, como a depressão. Mas ainda não há nenhuma base científica que comprove isso. E mesmo assim, algumas pessoas submetem até menores de idade ao uso do chá. Para mim, isso é inconcebível”, afirmou.
Ainda segundo o médico, quem consome a bebida pode sofrer diversos efeitos colaterais e até mesmo enfrentar riscos de saúde.
“Além de não ter nenhuma comprovação científica dos benefícios, há uma série de riscos envolvidos no consumo do chá, como por exemplo desenvolvimento de hipertensão arterial, taquicardia. Já atendi pacientes que usaram o chá e relataram diarreias muito intensas, por exemplo. Imagina um paciente que tenha doença renal, por exemplo, e passe por uma desidratação como essa? Então há vários riscos envolvidos”, disse.
Dr. Sérgio Rosa Junior, que atende em Taubaté.
Reprodução
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O caso
A Justiça manteve a decisão que condenou um casal a 2 anos e 4 meses de reclusão e 3 meses de detenção por manter um adolescente de 16 anos em cárcere privado após fazê-lo tomar chá de ayahuasca em São José dos Campos, no interior de São Paulo. A decisão foi divulgada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo na sexta-feira (1º).
Segundo o Tribunal de Justiça, o adolescente, na época do ocorrido, era funcionário em uma marmoraria e os proprietários o convidaram para participar de uma cerimônia religiosa. Na celebração, eles fizeram o adolescente beber o chá de ayahuasca.
No entanto, após consumir o chá, o rapaz entrou em surto psicótico e perdeu a consciência. Ao invés de levá-lo para casa, o casal manteve o adolescente em cárcere privado por quatro dias, sem assistência médica.
O relator do recurso, José Ernesto de Souza Bittencourt Rodrigues, reiterou a responsabilização dos réus por fornecer o chá ao jovem sem a autorização dos responsáveis.
“Muito embora a vítima confirme que assinou termo no qual declarou não ter consumido droga ou bebida alcoólica anteriormente, tal formulário não eximiria os corréus da responsabilidade em expor a vítima às inúmeras consequências da ingestão do chá de ayahuasca, porquanto não tinham a autorização para levar o menor ao ritual e, obviamente, permissão para ingerir o chá”, registrou o magistrado.
De acordo com o Tribunal de Justiça, a pena de 2 anos e 4 meses de reclusão e 3 meses de detenção foram substituídas por prestação de serviços comunitários e pagamento de um salário mínimo.
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