O engarrafamento na Rocinha, bairro da zona sul do Rio de Janeiro, é intenso pela manhã. Motocicletas, vans e micro-ônibus ficam parados na Curva do S, trecho mais acentuado da estrada da Gávea, por volta das 7h. Para um veículo subir, outro tem de descer.
Nas calçadas, moradores e visitantes disputam espaço em ladeiras com quilômetros de extensão.
A Rocinha segue sendo a favela mais populosa do Brasil, com 72.021 habitantes, de acordo com dados do Censo de 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
No Censo 2010, a Rocinha aparecia no topo da lista das mais populosas, com 69.161 habitantes.
Os moradores costumam dizer que os dados do IBGE subestimam o tamanho da Rocinha, e baseados em levantamentos da associação local, afirmam que a favela tem mais de 150 mil habitantes.
Este é o primeiro Censo no qual a nomenclatura “favelas e comunidades urbanas” é usada pelo IBGE, em substituição ao antigo “aglomerados subnormais”.
O IBGE entende por favelas e comunidades urbanas os lugares onde predominam “domicílios com graus diferenciados de insegurança jurídica da posse”.
A Rocinha possuía 30.371 domicílios particulares permanentemente ocupados, segundo o Censo de 2022. Além de mais populosa, é a favela com mais domicílios do país.
Em 2022, o Brasil possuía 12.348 favelas e comunidades urbanas, e 8% da população do país vivia nelas. O Rio de Janeiro tinha 1.724 favelas e São Paulo outras 3.123.
A Rocinha tinha cerca de mil moradores a mais do que o Sol Nascente (70.908), em Brasília, a segunda maior do país.
No Rio de Janeiro, a segunda mais populosa é Rio das Pedras, na zona oeste, com 55.653 moradores.
Moradores mais antigos contam que a Rocinha era até a década de 1940 uma roça que fornecia hortaliças para as feiras da Gávea —daí o nome Rocinha.
Vizinha do morro Dois Irmãos, da Pedra da Gávea e da praia de São Conrado, a comunidade se espalhou sobre o maciço da Tijuca.
Quando os mais ricos começaram a ocupar a zona sul e a construção de edifícios acelerou, ainda na década de 1940, o morro onde havia a rocinha foi ocupado por pessoas que trabalhavam nas obras e nos prédios da zona sul.
Boa parte da ocupação se deu e ainda se dá por migrantes da região Nordeste. Nas décadas de 1970 e 1980, o forró era a trilha mais comum na comunidade. A Rocinha foi ter uma escola de samba em 1988.
A favela ainda hoje é farta em locais de comida nordestina, apesar da diversidade atual —só de restaurantes orientais são nove.
Até a década de 1980 não havia água encanada e Seu Batista, um morador, era quem instalava luz elétrica. Os barracos eram de telha e madeira.
“Havia valas e mais valas a céu aberto e as pessoas tinham de pular por cima delas. Hoje temos 30 valas o céu aberto. Mas 30 não é nada perto da década de 1970”, diz Ocimar dos Santos, 58, presidente da ONG Rocinha.org, morador desde que nasceu.
O transporte era feito por um ônibus lotação que circulava a cada hora e levava gente pendurada pelas janelas, conta Ocimar.
Hoje a Rocinha tem duas linhas de ônibus, vans, uma estação de metrô a 200 metros da entrada e cerca de 2.000 mototaxistas cadastrados, além das motos dos moradores.
Uma lei de junho de 1993 transformou a Rocinha em bairro. Com associação de moradores forte, recebeu investimentos públicos de infraestrutura, o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) federal, na década de 2010.
Moradores, no entanto, sentem que o auge passou. Antes da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016, até os coletes dos mototaxistas eram disputados por marcas para patrocínio.
Agências bancárias da comunidade, como Bradesco e Banco do Brasil, fecharam. Não há agências dos Correios e as entregas são realizadas com ajuda de um correio comunitário.
A estatal afirmou que pretende reabrir sua agência na favela em 2025.
Apesar das visitas da Light, a energia é um problema. Os fios se amontoaram nos postes e também estão expostos pelas ruas. Alguns imóveis já foram atingidos este ano por incêndios que começaram com um curto-circuito.
Na saúde a tuberculose ainda preocupa. Especialistas apontam que o bairro é um dos lugares com maior incidência da doença no país.
A Rocinha hoje tem uma maternidade pública e uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento), 24 horas. Mas moradores reclamam que o bairro merecia um hospital, diante do tamanho da população. Casos mais graves são levados ao hospital Miguel Couto, na Gávea, a cerca de 5 km.
Pelo Censo, a quantidade de homens (35.375) e mulheres (36.664) era quase a mesma em 2022, e a idade mediana da população da Rocinha era de 31 anos. Viviam na comunidade 14.270 crianças e adolescentes de 0 a 14 anos, e 6.695 pessoas com 60 anos ou mais.
A Rocinha tem escolas particulares, estaduais e municipais. Em 2022 eram 54.289 pessoas de 15 anos ou mais alfabetizadas e 3.462 pessoas da mesma faixa não alfabetizadas.
Hoje a favela que desce para trabalhar no asfalto também vê fluxo no sentido oposto, com o turismo. Muitos serviços são oferecidos em português, inglês e espanhol.
“Os visitantes sobem de moto para conhecer as lajes, os mirantes, de onde dá para ver o mar. Os estrangeiros ficam encantados com as luzes à noite”, afirma o presidente da associação de moradores, João Bosco.