Por que alguém troca de fé? Se você sair perguntando por aí, os convertidos vão te dar várias explicações. A Folha fez isso. Questionou um evangélico, um católico, um muçulmano, uma umbandista e uma hare krishna sobre os motivos que os levaram a trocar de crença.
As respostas, em formato de depoimento pessoal, serão publicadas a partir desta quinta (26), na série Convertidos.
O gatilho para a conversão dessa turma variou: conforto durante um luto, busca pelas raízes africanas, investigação racional sobre uma instituição de dois milênios, encantamento pela galera que cantava sua fé nas ruas, uma indagação se haveria uma leitura da Bíblia que não tratasse a homossexualidade como pecado (spoiler: sim, ela existe).
Todas essas religiões se reconhecem como monoteísta, ou seja, acreditam na existência de um Deus único. Partindo dessa premissa, há clivagens entre elas.
Com raízes no hinduísmo, os hare krishna dizem que Deus tem infinitas formas e nomes, sendo o principal deles justamente Krishna. O rosto contemporâneo do movimento, popularizado por adeptos cantando e disseminando a palavra por espaços públicos, tem origem na Nova York dos anos 1960.
A umbanda, de DNA brasileiro, apoia-se na ideia de um Deus supremo e mixa elementos de várias fés, sobretudo as de matriz africana —como o culto aos orixás, vistos como divindades. Traços de catolicismo, crenças indígenas e espiritismo kardecista também povoam essa crença de alta voltagem sincrética. Oxalá, por exemplo, é pareado com Jesus Cristo.
Católicos são o maior bloco religioso do país, ainda que sua proporção tenha minguado um tanto nas últimas décadas. Hoje estima-se que sejam metade do povo. Há coisa de quatro décadas, eram nove em cada dez brasileiros.
O Censo de 1872, o primeiro nacional, os dimensionou em 99,7% da população —dado, claro, que deve ser olhado com cautela, já que é plausível deduzir que a maioria dos indígenas e escravizados foi enquadrada à revelia naquela que era então a religião oficial do império.
Assim como os seguidores do Vaticano, também os evangélicos têm em Cristo uma figura messiânica. Mas há importantes diferenças teológicas, como não crer em santos. A Reforma Protestante iniciada em 1517 gerou frutos que formam o grosso do evangelicalismo brasileiro. O mais polpudo deles é o pentecostal.
O islã, segundo projeções da ONU, caminha para ser a crença com mais adeptos no mundo. No Brasil, não passam de algumas dezenas de milhares. Escravizados muçulmanos protagonizaram um episódio importante da história brasileira, a baiana Revolta dos Malês, em 1835.
Jesus existe para essa religião, mas como um profeta como tantos outros. O principal profeta, aqui, é Maomé, tido como o último profeta de Alá (Deus).
A socióloga francesa Danièle Hervieu-Léger lançou em 1999 “O Peregrino e o Convertido”, um estudo sobre as novas formas de crer.
O peregrino seria aquele que passeia por várias religiões e costura para si uma bricolagem de fé.
O convertido, por sua vez, pode substituir a antiga crença por uma nova ou, sem professar nenhuma fé prévia, adotar uma a partir de dado momento. Há ainda o “convertido de dentro”, quando a pessoa já se declarava parte de uma religião, mas passa a praticá-la com uma devoção restaurada.
O convertido, em todas as suas modalidades, “cumpre esse postulado fundamental da modernidade religiosa segundo o qual uma identidade religiosa ‘autêntica’ tem que ser uma identidade escolhida”, escreve Hervieu-Léger. Haja fé.