Bebidas alcoólicas deveriam trazer informações sobre o risco de câncer, assim como ocorre com os cigarros. Esse foi o alerta da principal autoridade de saúde pública dos EUA, Vivek Murthy, com base no relatório “Global Status Report for Alcohol and Health“. No Brasil, igrejas e comunidades terapêuticas podem ser aliadas no combate ao consumo abusivo de álcool e suas consequências para o alcoólatra e sua família.
A recomendação de Murthy não tem relação com moralidade; ela se baseia em dados. O álcool é a terceira maior causa de câncer nos EUA, atrás apenas do tabaco e da obesidade. No Brasil, a situação não é diferente. Dados do Ministério da Saúde mostram que o consumo abusivo entre adultos subiu de 18,4% em 2021 para 20,8% em 2023.
Embora o consumo de álcool seja associado a momentos de interação social, vale lembrar que o alcoolismo é uma doença crônica. Fatores como predisposição genética, traumas emocionais e ambientes que estimulam o uso de álcool contribuem para o desenvolvimento da dependência. Muitas pessoas percebem sua vulnerabilidade apenas quando o vício já compromete sua saúde e relações.
A religiosidade pode ser uma proteção contra comportamentos de risco. Um estudo da PUC do Paraná revelou que adolescentes com maior envolvimento religioso tendem a consumir menos álcool. Outra pesquisa, do Cisa (Centro de Informações sobre Saúde e Álcool), mostrou que 73% dos evangélicos são abstêmios, enquanto apenas 11% consomem álcool de forma abusiva.
A maioria das igrejas evangélicas brasileiras adota uma postura restritiva em relação ao álcool, promovendo a moderação ou a abstenção total. Igrejas históricas tendem a enfatizar o equilíbrio, enquanto muitas comunidades pentecostais transformam a proibição em regra disciplinar. Para indivíduos com histórico familiar de dependência, essas posturas desestimulam o consumo e promovem valores como sobriedade e autocontrole.
Esses dados reforçam o papel das igrejas no combate ao alcoolismo, especialmente em um contexto em que muitas famílias enfrentam as consequências do consumo excessivo. No entanto, muitas vezes, elas recorrem à religião como último recurso para vencer o vício. E a comunidade científica frequentemente trata igrejas e comunidades terapêuticas como inimigos nas ações de combate à dependência de substâncias.
Como psicólogo, compreendo que o tratamento eficaz do alcoolismo exige um conjunto de estratégias: acompanhamento médico, psicoterapia e participação de grupos de apoio. No entanto, a falta de recursos para tratamentos especializados e as limitações dos serviços públicos deixam muitas pessoas desassistidas. Nesse contexto, igrejas e comunidades terapêuticas oferecem acolhimento acessível e apoio emocional, especialmente em momentos de maior vulnerabilidade.
A desconfiança sobre a associação entre religião e o tratamento de dependentes químicos é justificável em contextos onde práticas religiosas substituem terapias baseadas em evidências. Contudo, essa visão não pode ser generalizada, pois há instituições religiosas que operam com profissionais qualificados, como as que estão vinculadas à Feteb (Federação das Comunidades Terapêuticas Evangélicas do Brasil) e à Federação Cruz Azul no Brasil. São instituições que atuam integrando espiritualidade e ciência de maneira responsável e eficaz.
Para quem enfrenta o alcoolismo, a fé frequentemente se revela uma poderosa aliada da ciência. Enquanto o tratamento médico cuida dos aspectos físicos e psicológicos da dependência, a religião fornece uma rede de apoio comunitário e um senso de propósito que muitas vezes faltam nos consultórios. Embora nem todos precisem recorrer à fé, para muitos ela se torna um suporte a mais no enfrentamento dessa doença.