O Parlamento britânico deve discutir nesta sexta-feira (29) uma lei que propõe a descriminalização da morte assistida para pacientes com prognóstico de até seis meses de vida na Inglaterra e no País de Gales.
O texto passará por uma primeira votação na Câmara dos Comuns, o equivalente à Câmara dos Deputados, e tem dividido forças políticas, ex-primeiros-ministros e até membros do governo trabalhista de Keir Starmer.
A morte assistida é legal em oito países da Europa atualmente, incluindo a Suíça, onde em outubro o escritor brasileiro Antonio Cicero escolheu receber ajuda para terminar a própria vida.
No caso da Inglaterra e do País de Gales, o que está em discussão é a descriminalização do suicídio assistido. Isso significa que as pessoas que passarem pelos critérios determinados pelo governo, no caso de aprovação da lei, terão que administrar em si mesmas a substância letal fornecida por um profissional médico.
Propostas sobre morte assistida também estão em discussão na Escócia e na Ilha de Man, territórios britânicos com diferentes graus de independência.
Em outros países, como a Holanda e a Bélgica, há também a possibilidade de eutanásia. Nessa forma da morte assistida, o próprio profissional de saúde pode administrar o medicamento letal.
Ambas as práticas são criminalizadas no Brasil. Na América Latina, apenas a Colômbia permite a morte assistida, tanto por eutanásia quanto por suicídio assistido.
Atualmente, no Reino Unido, o suicídio assistido é regulado por uma lei de 1961 que prevê até 14 anos de prisão para quem auxiliar na morte voluntária de outrem. Já a eutanásia pode ser classificada como homicídio culposo ou doloso, e a pena máxima chega à prisão perpétua.
A proibição não significa que não haja cidadãos britânicos buscando morrer com ajuda. Segundo a ONG Dignity in Dying (dignidade na morte, em inglês), que faz campanha pela legalização da morte assistida, um cidadão do país viaja para a Suíça a cada oito dias para morrer na clínica Dignitas.
Em fevereiro de 2023, a inglesa Alison foi uma dessas pessoas. Ela fez a viagem a Zurique e pagou 15 mil libras (R$ 110 mil, aproximadamente), depois de descobrir uma doença neurológica degenerativa no ano anterior.
À rede britânica BBC, Dave, o marido de Alison, contou que a família se sentiu pressionada e estressada com medo de ser processada. “Nós não podíamos contar nem para o amigo mais próximo quais eram os planos”, diz ele. Dave afirma que Alison tomou a decisão porque “não queria se perder”, e defende a mudança na lei.
O caso dela, no entanto, não seria legalizado pela proposta diante dos parlamentares nesta sexta. A Lei dos Adultos com Doenças Terminais dispõe que pessoas com mais de 18 anos e “faculdades mentais preservadas” que tenham prognóstico de vida de seis meses ou menos, possam escolher o suicídio assistido.
Para isso, precisariam ser avaliadas duas vezes por médicos e exibir também duas vezes o desejo de terminar com a própria vida. A permissão seria dada então pelo judiciário.
O primeiro-ministro britânico Keir Starmer é considerado defensor da mudança na lei. Quando foi chefe do Ministério Público, em 2009, ele decidiu não processar um médico acusado de ajudar um homem a viajar para a Suíça para suicídio assistido. Além disso, votou a favor de um projeto de lei que visava descriminalizar a prática em 2015, mas foi derrotado.
Embora pesquisas mostrem que a maior parte dos britânicos apoie a legalização, o resultado do voto não está garantido. Starmer afirmou que o governo não determinará posição, dando aos parlamentares da base liberdade para decidirem, e membros do alto escalão já afirmaram que serão contra a proposta.
O mais relevante deles é Wes Streeting, secretário da Saúde (posição equivalente à de ministro). Embora tenha votado pela mudança da lei em 2015, o parlamentar trabalhista diz ter revisto a posição.
Streeting se alinha a críticos da proposta, como a ONG Care Not Killing (cuidado, não morte), que afirmam que a liberalização da lei de morte assistida poderia impulsionar coerção e levar pessoas doentes, vulneráveis e com deficiência a optarem pelo suicídio assistido contra sua vontade.
Entre os conservadores, o tema também divide opiniões. Três ex-primeiros-ministros declararam ser contra a mudança: Theresa May, Boris Johnson e Liz Truss. Já a posição de Rishi Sunak, derrotado em julho por Starmer, e da atual líder dos Tories, Kemi Badenoch, é incerta.
Levantamento realizado pelo site Inews neste mês mostrou que a posição de 291 parlamentares ainda não é sabida. Entre os que declararam voto, há 207 favoráveis à lei e 141 contrários.
Caso vença o voto pela descriminalização, a proposta segue para análise de comissões e passa ainda por mais uma deliberação de plenário antes de seguir para a Casa dos Lordes, uma espécie de Senado. Se for derrotada na sexta-feira, é arquivada permanentemente.