Em 1978, Francisco Lopera fez o que os médicos recém-formados da Colômbia e de grande parte da América Latina já faziam havia muito tempo: partiu para um ano obrigatório de trabalho em uma região remota do país, onde um médico rural inexperiente poderia ser o único profissional de saúde em um raio de quilômetros. Lopera, que nasceu na região andina de Antioquia e antes da faculdade de medicina conhecia basicamente as montanhas e a vida rural, prestou seu serviço na região de Darién, na costa caribenha, perto do Panamá.
Ali, Lopera, colombiano pioneiro nas pesquisas de Alzheimer que morreu em setembro aos 73 anos, atendia casos de esfaqueamento, picadas de cobra, partos complicados, queimaduras e febres em um hospital que tinha eletricidade apenas durante metade do dia. Em certa ocasião, foi sequestrado por guerrilheiros marxistas. Em outra, teve de fugir de um tiroteio.
Quando o conheci em 2017, para iniciar a pesquisa para meu livro sobre famílias com Alzheimer, trabalho a que acabou dedicando sua vida, ele me contou uma história sobre dois irmãos jovens que tinham morrido um depois do outro em seu hospital, de causas desconhecidas. Lopera foi até a casa da família em uma clareira remota na selva, onde descobriu que os irmãos sobreviventes dos meninos tinham mordidas de morcegos hematófagos nos dedos. Enviou os corpos para um laboratório de patologia a horas de distância de barco, e os patologistas confirmaram que eles haviam contraído raiva. Quando o governo trouxe um especialista na doença para investigar, Lopera se juntou a ele.
Depois daquela experiência –em que passou longas noites na floresta tropical, procurando por poleiros escondidos, absorvido pela história natural da raiva e dos morcegos–, decidiu se tornar epidemiologista da raiva. Mas esse não seria seu destino. Seus interesses eram ecléticos e mudavam rapidamente e, alguns anos depois, tornou-se residente de neurologia em Medellín.
Em 1984, Lopera examinou um fazendeiro na faixa dos 40 anos que parecia ter demência. O médico novamente tomou a iniciativa inusitada de viajar até a casa da família, em um vilarejo montanhoso como aquele onde havia nascido. Constatou que não era apenas o fazendeiro que apresentava sintomas de demência –um irmão seu também parecia estar sendo afetado. O médico havia descoberto o que viria a ser a maior família do mundo portadora da doença de Alzheimer de início precoce. Esta compartilhava uma mutação genética, mais tarde apelidada de mutação paisa, que era exclusiva de sua região na Colômbia. Passou as quatro décadas seguintes estudando os 6.000 membros daquela família.
Uma coisa é criar um grupo de pesquisa em uma população com a doença, iniciar a busca por um gene da doença de Alzheimer, criar um banco de cérebros para autópsia, fazer estudos de longo prazo em portadores de mutações para entender a evolução da doença e investigar terapias que possam preveni-la ou retardá-la. Outra coisa bem diferente é fazer tudo isso com pouco dinheiro, em um país que luta com sucessivas ondas de violência decorrentes da política e do narcotráfico.
No fim da década de 1980, quando o trabalho de Lopera com as famílias colombianas estava apenas começando, sua universidade foi atacada por paramilitares de direita associados a traficantes de drogas; várias das vítimas eram médicos. Duas décadas depois, enquanto recrutava participantes para um estudo clínico de referência de uma terapia para prevenir o Alzheimer, Lopera e seus colegas ainda enfrentavam assédio, ameaças e sequestros. Os vilarejos que abrigavam muitos de seus pacientes estavam nas garras de exércitos guerrilheiros e paramilitares.
Acabei por passar sete anos em Medellín, observando Lopera e as famílias com Alzheimer que ele estudava. Quando cheguei, ele estava com quase 70 anos, tinha um charme desarmante, um talento especial para estabelecer alianças produtivas com pesquisadores no exterior e um jeito de atender os pacientes que Kenneth Kosik, pesquisador americano de neurologia e colaborador de longa data de Lopera, descreveu como o de “um médico do interior que ainda acreditava na imposição de mãos”.
Eu adorava vê-lo fazendo suas rondas na Universidade de Antioquia, onde avaliava pessoas com Alzheimer e outras doenças neurodegenerativas na frente de seus alunos e colegas. Estabelecia com os pacientes um diálogo natural, afável e discreto; era como se estivessem batendo papo com um velho amigo em alguma taberna do interior. No entanto, ele estava coletando informações que lhe permitiam diagnosticar a demência ou avaliar seu progresso, com uma precisão que poucos poderiam igualar.
As pessoas que ele estudou eram de famílias sofridas, tipicamente pobres, com raízes rurais, que viam poucas perspectivas de tratamento ou cura. Elas sabiam, assim como ele, que só as gerações posteriores se beneficiariam de seus esforços, e mesmo assim com muita sorte. Apesar disso, permaneciam com ele –pais, filhos e netos– para sucessivos estudos, passando por exames cerebrais, coletas de sangue, punções lombares e testes cognitivos. A partir de 2013, centenas de pessoas se inscreveram em um estudo clínico de um anticorpo experimental, chamado crenezumabe, na esperança de que este pudesse retardar ou prevenir a doença.
Em 2019, as famílias ficaram sabendo do extraordinário caso de Aliria Piedrahita de Villegas, de Medellín, portadora da temida mutação paisa, que chegou aos 70 anos antes de desenvolver sintomas de Alzheimer: um atraso de 30 anos. Essa descoberta e o estudo contínuo de seus genes e de seu cérebro deram início a uma nova abordagem para o tratamento do Alzheimer, elucidando mecanismos genéticos e celulares diferentes daqueles que, havia muito tempo, se presumia estarem envolvidos.
Mas a decepção se aproximava. No verão de 2022, Lopera ficou sabendo que, apesar de todo o alarde em seu começo, o ensaio clínico do crenezumabe não havia mostrado nenhum benefício. O fracasso dos medicamentos para Alzheimer havia se tornado a norma no mundo inteiro, mas isso não tornou as coisas mais fáceis para ele nem para as famílias. Os participantes do estudo e seus entes queridos se reuniram em um auditório na Universidade de Antioquia, como faziam regularmente durante o curso do estudo de uma década, para ouvir “el doctor”.
Naquela época, ele já era uma figura menos humilde do que em 1978. Embora o ensaio clínico tivesse produzido um resultado negativo, sua execução bem-sucedida em meio a circunstâncias extremamente difíceis o transformara em um queridinho do mundo da pesquisa sobre Alzheimer. O médico recebia cada vez mais elogios, prêmios, atenção da mídia e propostas. Por outro lado, pouco visitava a zona rural.
Naquela manhã de sábado em agosto de 2022, no entanto, Lopera era mais uma vez um médico do interior, diante de uma sala de pessoas interioranas. Nenhum de seus colaboradores estrangeiros ou patrocinadores de empresas farmacêuticas o acompanhava, apenas seus colegas veteranos de sua equipe de pesquisa, o Grupo de Neurociências de Antioquia, que vestiam camisa polo preta combinando e formavam uma fila de recepção, em uma manifestação solene. Quando Lopera deu as más notícias no seu estilo gentil, mas franco, alguns participantes choraram. Os demais já tinham chorado antes: a notícia dos resultados já chegara a eles por outros canais, e talvez não tenha sido uma surpresa. Depois de 40 anos de participação em pesquisas clínicas, essas famílias aprenderam a resistir às falsas esperanças e ao desespero.
Com o passar do dia, o clima melhorou. A banda da universidade tocou, garçons serviram um farto almoço tradicional e ninguém parecia ter pressa de ir embora. Lopera dançou e dançou com os participantes do estudo. Era um dançarino fantástico desde seus dias de jovem médico em Darién. Dançou tantas músicas com tantos parceiros que, no fim da tarde, estava pingando de suor, parecendo prestes a entrar em colapso. Duvido que tenha havido um teste clínico em qualquer lugar do mundo que tenha terminado dessa maneira.