“O mundo é dividido em sete continentes no total.
Para tornar isso divertido, façamos uma lista musical,
Começando com o pequeno e terminando com o colossal…”
É possível que crianças voltem da escola cantando essa musiquinha ou outra parecida. Mas será que, de fato, há sete continentes? Qualquer pessoa com um mapa pode ver que a Ásia e a Europa estão ligadas. Por isso, costumam ser chamadas de Eurásia. A divisão é bastante arbitrária, mais cultural do que cientificamente definida. Sendo assim, poderíamos dizer que, na verdade, só há seis continentes?
Esse é só o primeiro passo escorregadio em uma encosta bem íngreme. E quanto à América do Norte e à Ásia? Estão conectadas pelo Estreito de Bering, que antigamente era uma faixa de terra seca que podia ser atravessada pelo homem, e que só foi submersa em um passado geológico recente. Tecnicamente, a Ásia, a América do Norte e a Europa formam um único continente. Isso significa que só há cinco continentes?
Segundo outros especialistas, é errado afirmar a existência de cinco, seis ou sete; eles defendem a existência de oito. Há até quem diga que só existem dois. Escondida na simplicidade da música, há uma ilusão de acordo geral sobre o número de continentes.
A controvérsia surge, em parte, porque há realmente dois tipos de continentes: os reconhecidos pelas culturas ao redor do mundo e os identificados por geólogos. As culturas podem classificar um continente como preferirem, enquanto os geólogos precisam seguir um critério específico. E as pesquisas geológicas recentes tornaram a definição das fronteiras continentais menos simples do que poderia parecer, à medida que os pesquisadores têm encontrado indícios de materiais continentais inesperados.
“Isso desperta grande interesse porque tem implicações importantes para nossa compreensão dos processos de separação dos continentes, da formação dos oceanos e das placas tectônicas. Mas depois da empolgação vêm a verificação rigorosa e o debate para garantir que as provas são sólidas”, disse o geólogo Valentin Rime, da Universidade de Friburgo, na Suíça.
Do ponto de vista geológico, uma parte do planeta deve atender a quatro características para ser um continente:
- uma elevação significativa em relação ao fundo oceânico;
- uma ampla variedade de rochas ígneas, metamórficas e sedimentares ricas em sílica;
- uma crosta mais espessa do que a crosta oceânica ao redor;
- fronteiras bem definidas em uma área suficientemente extensa.
Os três primeiros requisitos constam em quase todos os manuais de geologia. Mas o mesmo não ocorre com o quarto. O que é “suficientemente grande” ou quão “bem definidas” devem ser as fronteiras de um possível continente são aspectos discutidos com menos frequência, a menos que um geólogo esteja estudando partes do planeta que estão prestes a se tornar continentes.
“Qualquer coisa grande o bastante para mudar o mapa do mundo é importante. Rotular e identificar uma parte da Terra como um continente, mesmo que seja pequeno, fino e submerso, é mais informativo do que deixar o mapa em branco”, afirmou o geólogo Nick Mortimer, do instituto de pesquisa GNS Science, de propriedade do Governo da Nova Zelândia.
Isso cria dificuldades para enumerar os continentes. Consideremos a Islândia, que se encontra no topo de uma fenda que circunda a Terra, o braço atlântico da dorsal meso-oceânica. A atividade vulcânica separa lentamente as placas tectônicas sobre as quais estão a América do Norte e a Europa. A maior parte dessa cordilheira está submersa, mas na Islândia ela se eleva acima do nível do mar.
Outro mistério é que os vulcões islandeses frequentemente expelem lava formada de crosta continental derretida, mesmo estando a milhares de quilômetros de qualquer continente. Por isso, alguns geólogos suspeitam que a Islândia não seja apenas uma ilha isolada no mar, mas pertença a algum continente (embora seja complicado saber qual).
Essa teoria encontra apoio na costa oriental da África. Uma dorsal meso-oceânica no Mar Vermelho está separando a África da Ásia, e essa “divisão” ocorre na mesma velocidade com que as unhas crescem. Na maior parte da dorsal, a separação é direta. Mas ela é muito mais complexa onde o Mar Vermelho se encontra com o Golfo de Áden. Em vez de um ponto nítido de afinamento onde está se formando a crosta oceânica, a crosta continental entre a África e a Ásia está se fragmentando em centenas de pedaços. Nesse ponto, não há um limite claro onde a Ásia começa e a África termina. “É como um caramelo bem espesso que se estica, mas não quebra”, comparou a geóloga Gillian Foulger, da Universidade de Durham, na Inglaterra.
Rime e seus colegas publicaram recentemente um estudo na revista “Geology” que demonstra que a Islândia também tem um “caramelo” muito esticado sob os mares que a rodeiam. Em vez de uma ruptura clara entre a América do Norte e a Europa, parece haver uma mistura complexa de magma e fragmentos de crosta continental espalhados ao longo de um caminho entre os dois continentes, que atravessa a Islândia. Assim como o ponto onde o Mar Vermelho encontra o Golfo de Áden, não há um ponto claro onde termina a América do Norte e começa a Europa.
Há também a Nova Zelândia, que complica mais as coisas para as crianças. Embora a Nova Zelândia e a Austrália sejam frequentemente agrupadas, não estão no mesmo continente. Enquanto a Austrália é considerada um continente por si só, a noção de que a Nova Zelândia pertence a outro continente, a Zelândia, é um argumento mais recente.
As plataformas submersas que se elevam acima do fundo do oceano se estendem quilômetros além da pequena nação insular. Ao longo das bordas dessas plataformas, há águas profundas e uma crosta oceânica mais fina do que a crosta sob as plataformas. As perfurações feitas, as amostras dragadas do fundo marinho e as rochas coletadas na região mostram que a gigantesca massa sobre a qual se assenta a Nova Zelândia é composta de rochas ígneas, metamórficas e sedimentares ricas em sílica, como nos demais continentes. Embora pouca gente pense na Zelândia como um continente no âmbito cultural, “ela é cada vez mais reconhecida como um continente geológico”, afirmou Mortimer.
Mas nem todo mundo concorda, e logo aponta para aquele quarto critério desconsiderado na maioria dos livros de geologia. A crosta que compõe a Zelândia tem entre 10 e 30 quilômetros de espessura, tornando-a mais grossa do que os sete quilômetros da maior parte da crosta oceânica, mas não tão espessa quanto a crosta dos demais continentes, que costuma ter entre 30 e 46 quilômetros. Isso torna os limites entre a Zelândia e o oceano menos definidos e mais difíceis de identificar. O tamanho também é um aspecto: com 4,9 milhões de quilômetros quadrados, a Zelândia é bem menor do que a Austrália, que tem 7,7 milhões de quilômetros quadrados.
Além disso, a maior parte da Zelândia está submersa. Estar acima do nível da água não faz parte da definição geológica de um continente, mas culturalmente parece ser importante, porque as pessoas estão acostumadas a pensar em continentes como terras secas, emersas.
Os geólogos continuam debatendo o que esses novos dados sobre a crosta continental e oceânica significam para o número de continentes. O que se sabe ao certo é que as pesquisas mostram que há diferentes maneiras de separar dois continentes e que essa divisão nem sempre é precisa ou mesmo completa.
“Basicamente, só há dois grandes continentes: a Antártida e todo o resto, já que a América do Sul está conectada à América do Norte pelo Panamá, a América do Norte está ligada à Ásia pelo Estreito de Bering, e a Ásia se conecta à Europa, à África e à Austrália por meio dos Urais, do Sinai e da Indonésia, respectivamente”, disse Rime.
Mortimer discorda: “A Zelândia está separada da Austrália por uma depressão oceânica de 25 quilômetros de largura e 3.600 metros de profundidade. De acordo com a lógica de Valentin, isso significaria que, na verdade, há três continentes.” Mas ele reconheceu alguma incerteza, acrescentando: “A menos que se descubra que essa depressão é uma crosta continental muito profunda, como ocorre na Islândia. Nesse caso, a Zelândia faria parte da Austrália”.
Há ainda a possibilidade de que a Islândia esteja sobre um grande pedaço de crosta independente flutuante, talvez o continente número nove.