É um dos grandes problemas da geometria da Grécia clássica: usando apenas régua e compasso, construa um quadrado cuja área é igual à de um círculo dado. Tomando o raio como unidade de comprimento, a área do círculo é igual a π (leia pi) e, portanto, o problema consiste em obter um segmento de comprimento igual à raiz quadrada de π.
O cardeal Nicolau de Cusa (1401–1464), fundador da filosofia alemã e grande figura da transição da Idade Média para o Renascimento, foi um dos muitos que afirmaram ter conseguido quadrar o círculo. De fato, ele achava que uma solução puramente geométrica era impossível, mas acreditava que suas ideias filosóficas davam uma solução “superior”.
Seu contemporâneo Johannes von Königsberg (1436–1476), matemático, astrônomo e astrólogo, mais conhecido pelo pseudônimo Regiomontanus, também era cético de que tal construção com régua e compasso existisse. Mais importante, ele compreendeu que o esclarecimento do problema dependia de um entendimento claro das propriedades do número π, que à época ainda era muito misterioso.
Uma das histórias de quadratura mais conhecidas envolve os ingleses Thomas Hobbes (1588–1679) e John Wallis (1616–1703). Eminente filósofo, formulador do empirismo e da teoria do contrato social —é dele a famosa frase “o homem é o lobo do homem”—, Hobbes também se aventurava em domínios que conhecia mal, como a matemática. Em “De Corpore” (1655), afirmou ter resolvido a quadratura do círculo, entre outras façanhas.
Excelente matemático, que introduziu o símbolo do infinito (∞), Wallis detestava Hobbes por várias razões. Não tardou para apontar erros nos seus argumentos e emitir opiniões venenosas sobre o talento geométrico do colega. A briga foi longe. Basta dizer que um dos trabalhos de Hobbes se intitula “Observações sobre a geometria absurda, a linguagem rural, a política da igreja escocesa e os barbarismos de John Wallis”. E que Wallis dizia de Hobbes que “… quando algo de verdadeiro se inclui entre as suas coisas, não é realmente seu, mas sim coisas tiradas de outros”.
Em 1698, o comerciante de sabão e matemático amador Jacob Marcelis (1636–1714) afirmou que π é exatamente igual a 3 mais 1.008.449.087.377.541.679.894.282.184.894 dividido por 6.997.183.637.540.819.440.035.239.271.702, o que faria dele um número racional, resolvendo a quadratura do círculo imediatamente. Em “A Budget of Paradoxes”, antologia de horrores matemáticos em dois volumes (mais de 800 páginas!), o matemático e lógico britânico Augustus de Morgan (1806–1871) afirma torcer para “que o sabão de Marcelis seja melhor do que a sua matemática”.
No início do século 19 já estava claro que os números que podem ser construídos apenas com régua e compasso são necessariamente algébricos, ou seja, soluções de equações da forma anxn+an-1xn-1+…+a1x+a0=0 em que an, an-1, …, a1 e a0 são inteiros (o grau n também precisa ser uma potência de 2). Em 1882, o alemão Ferdinand von Lindemann (1852–1939) provou matematicamente que π é um número transcendente, isto é, não algébrico. Assim, ele estabeleceu de uma vez por todas que a quadratura do círculo é impossível.
O que não impede os aficionados do gênero de continuarem tentado. Eu próprio recebo por ano umas três ou quatro soluções para analisar e validar…
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