Analistas e políticos estão atentos à projeção dada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à primeira-dama, Rosângela Lula da Silva (PT), a Janja, e a Flávio Dino (PSB), ex-ministro da Justiça e atual ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). A reportagem apurou que a percepção é que os nomes de ambos estejam sendo preparados, com aval de Lula, para se viabilizarem como possíveis futuras candidaturas ao Palácio do Planalto, alternativas à do presidente. Por outro lado, esses possíveis projetos de poder têm vida própria e assim desafiam a estratégia política de Lula.
Embora Janja e Dino sejam vistos como figuras engajadas na reeleição de Lula, eles também se sobressaem como protagonistas de projetos de poder paralelos no campo progressista, graças à visibilidade e ao alcance de suas próprias iniciativas. Esse protagonismo desafia a estratégia política de Lula e gera ruídos na esquerda. Além de sugerir perda de liderança da maior estrela do PT, a ação municia críticas da oposição e ainda pode perturbar articulações de governistas com o Centrão.
No dia 19, durante o programa “Conversa com o Presidente” — a live semanal de Lula —, ele afirmou, ao lado de Janja, que recebe palpites e conselhos diários da primeira-dama, que atua como “agente política” desde o período em que ele esteve preso em Curitiba, quando iniciaram o relacionamento. O presidente defendeu a continuidade dessa postura. “Ela não pode ser uma primeira-dama tradicional, que faz tudo certinho. Também não precisa de cargo para ser importante”, ressaltou.
Lula explicou que o casal estabeleceu uma “política de convivência” que “pode durar se ambos souberem lidar”. “É importante porque a Janja me transmite confiança”, disse. Janja, por sua vez, frisou que os dois “vivem bem” juntos apesar de atuarem em “times diferentes”. A declaração dela veio um mês após o desentendimento público deles durante evento paralelo da cúpula do G20, no Rio de Janeiro, quando a primeira-dama xingou o bilionário Elon Musk, dono do X, e Lula disse que não devemos xingar ninguém.
Janja tem equipe própria e apoio de advogados, mas sofre resistências no PT
Segundo reportagem do jornal O Estado de São Paulo, a primeira-dama conta com 12 profissionais à sua disposição, com assessores de imprensa, cerimonial, segurança e redes sociais. O grupo informal já gerou despesas de R$ 1,2 milhão em viagens, além de ter um custo mensal de R$ 160 mil em salários. A Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) não contesta esses dados, respondendo apenas que os servidores do “time Janja” exercem funções previstas em lei.
Janja, que despacha numa sala de 25 metros quadrados no terceiro andar do Palácio do Planalto, perto de Lula, quis gabinete próprio no início do mandato do presidente, mas seu pleito foi inicialmente barrado pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, receoso de configurar nepotismo. Apesar disso, ela mostrou força, indicando titulares de cargos, como as ministras Margareth Menezes (Cultura) e Anielle Franco (Igualdade Racial) e a secretária-executiva Maria Helena Guarezi (Mulheres).
Recentemente, Janja revelou insistir em ter função e equipes formais ao declarar em entrevista à CNN Brasil que o machismo dominante no país a impediu de ter gabinete próprio, ressaltando que outras primeiras-damas no mundo, como as dos Estados Unidos e do Paraguai, têm estrutura oficial. Nos bastidores, comenta-se que foi pensada até a apresentação de um projeto de lei para regulamentar a função oficial reservada a cônjuges do chefe de Executivo, para sanar esse impasse.
A imprensa tem ainda mostrado como Janja se tornou figura influente no governo, ainda que seja desconhecida da velha guarda do PT e de feministas históricas. Nos últimos dois anos, ela construiu um círculo de amigos, como os advogados do Prerrogativas, que a defendem quando comete deslizes. O grupo formado por defensores de presos na Lava Jato a homenageou numa festa de fim de ano, na qual compareceram ministros e Lula, enquanto o PT realizava outro evento simultâneo.
Protagonismo de Janja gera dúvidas sobre a legitimidade e a transparência em gastos
Disposta a romper com o estereótipo de primeira-dama, Janja atua em políticas públicas e na promoção da imagem do governo em eventos e viagens. A participação direta em eventos no país e no exterior, com ou sem Lula, visa projeção e gera questionamento sobre sua legitimidade e os custos envolvidos. Além da comitiva chefiada por Janja na Olímpiada de Paris, representando Lula, outro destaque nas críticas foi o evento paralelo ao G20, organizado pela primeira-dama e apelidado de Janjapalooza.
Embora negue aspirações eleitorais, Janja mantém forte participação em pautas como igualdade de gênero e combate à fome. Ela participou de campanhas municipais em 2024, sobretudo no apoio a candidaturas femininas, mas a rejeição apontada por pesquisas conteve a sua atuação. Em paralelo, a primeira-dama continua evidenciando divergências com a Secom, centralizando informações sobre Lula, como ocorreu durante a internação hospitalar dele em dezembro do ano passado.
Expoente do ativismo judicial, Dino segue em busca da simpatia do eleitorado
A posse de Dino como ministro do STF, aos 55 anos, mudou substancialmente seu papel no cenário político. Até então, quando atuava como ministro da Justiça, a hipótese de se colocar como liderança alternativa à figura de Lula era mais evidente, pois ele estava diretamente envolvido em pautas de grande visibilidade nacional. Mas sua ida para o Supremo não determina o fim de sua carreira política, considerando que ele próprio já transitou entre Judiciário, Legislativo e Executivo.
Desde agosto de 2024, Dino suspendeu parte dos pagamentos de emendas ao Orçamento da União que vinham sendo liberados de forma quase independente pelo Congresso. Ele criticou fortemente o que chamou de “auge da balbúrdia” no Orçamento da União e determinou a transparência na destinação do dinheiro público. Em dezembro, chegou a suspender R$ 4,2 bilhões em emendas de líderes e acionou a Polícia Federal (PF) para apurar quem seriam os os“padrinhos” dos recursos. Dino nega ativismo e critica reação do Congresso.
Politicamente, essas decisões favorecem o governo, pois a liberação das emendas voltou a ficar sujeita à vontade e a condições determinadas pelo Executivo. Mas também atrai o apoio de setores da sociedade para a defensável pauta da transparência do uso de recursos públicos e do combate à corrupção. Por fim, a ação de Dino enfraquece o Centrão, bloco parlamentar da qual Lula depende para aprovar qualquer matéria no Congresso.
Atuação favorável de Dino foi essencial a várias demandas do governo em 2024
Enquanto esteve no Executivo, Dino se destacou na mídia por ações na área da segurança pública, censura em plataformas digitais e defesa de grupos vulneráveis, o que reforçou especulações sobre ambições políticas. Ao assumir cargo vitalício no STF, ele deixou de ser competidor eleitoral imediato, mas pode fortalecer a sua imagem como presidenciável, talvez em 2030. A sua posição confere prestígio e poder por meio de influência direta nas políticas públicas e nos rumos institucionais.
Ao longo do ano passado, Flávio Dino colaborou com ações do governo, como a que autorizou Lula a abrir crédito extraordinário para conter incêndios na Amazônia e no Pantanal, classificando a situação como “pandemia” ambiental. A medida permitiu gastos fora do marco fiscal, algo possível só em cenários de guerra, calamidade ou comoção interna. Na prática, ele abriu uma porta para que o STF intervenha com rapidez em diversos problemas complexos sob a responsabilidade do Executivo,
Especialistas veem protagonismo de Dino e Janja, mas discordam sobre os objetivos
Para Paulo Kramer, cientista político e consultor eleitoral, não há dúvidas de que Dino e Janja desenvolvem projetos pessoais de poder, sobretudo no caso do ministro do STF, que é político testado em várias circunstâncias. “Ele quer ser o herdeiro da liderança de Lula. Se isso será suficiente para sucedê-lo na Presidência da República, é outra história”, sublinha.
Quanto à primeira-dama, o especialista observa que ela ainda encontra grandes dificuldades para avançar como candidatura alternativa do grupo do presidente, começando pela falta de uma base de apoio clara e estável dentro do próprio PT.
Segundo Marcus Deois, diretor da Ética Consultoria Política, Dino não tem interesse em disputar eleições, pois o posto de ministro do STF é o ápice da carreira na magistratura e não haveria razão para renunciar em troca de riscos. Entretanto, ele deve manter protagonismo político “por muitos anos” devido às investigações sobre desvio de emendas parlamentares, com prazo indefinido e desdobramentos imprevisíveis — a exemplo do inquérito das fake news, tocado por Alexandre de Moraes.
Sobre Janja, Deois ressalta que ela, assim como outras primeiras-damas, atua em pautas governamentais que envolvem recursos da Presidência e exerce influência política, mas alerta para possíveis críticas “caírem na vala comum do machismo”. O ponto central, diz, é avaliar se os gastos foram adequados, algo que já está sob análise do Tribunal de Contas da União (TCU).