Para muita gente, o penteado não tem qualquer relação com o aprendizado. Mas a professora Cleide da Silva Magesk, 46, provou o contrário.
Ao resgatar a tradição das tranças africanas para alunos de ensino médio em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, ela não só provocou mais alegria e autoaceitação nos estudantes como também ajudou a estancar a evasão escolar e a melhorar as notas.
O projeto “Trançando Histórias”, realizado ao longo de três anos no Ciep (Centro Integrado de Educação Pública) Filinto Müller Brasil-China, foi premiado pelo portal Toda Matéria, que avaliou mais de 800 professores em todo o Brasil. Como “Professora do Ano”, ela recebeu um computador, smartphone, vale viagem no valor de R$ 5.000 e 20 horas de cursos.
A iniciativa também já recebeu a premiação de Melhor Prática Educacional da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro, de Melhor Prática em Educação Antirracista da Baixada Fluminense e Melhor Prática em Educação Antirracista, pelo Porvir – Inovações em Educação.
“Muitas alunas do colégio alisavam o cabelo e dependiam da química da escova progressiva”, relembra a diretora da escola, Luciene Souza Oliveira. Foi ela quem convidou Cleide a atuar na instituição como docente de linguagens aplicadas às ciências e suas tecnologias. “Ela recebe os alunos com um abraço. Isso diz tudo”, conta a diretora.
A professora já havia passado por várias escolas e se deparou com uma realidade de muita carência de recursos e falta de engajamento.
“Foi um reconhecimento mútuo. Eu cheguei em sala de aula trançada e várias alunas usavam tranças. E a gente sofre muito preconceito, ouve coisas sobre isso. Então elas me pediram para fazer um trabalho sobre o tema e eu decidi que seria nosso mote durante todo o ensino médio”, conta a docente.
Na prática, o trabalho começou com uma pesquisa histórica: por que os escravizados usavam tranças? Como era a divisão entre tribos na África de acordo com o desenho do cabelo?
Após o estudo, a turma começou um podcast em que cada grupo gravou semanalmente episódios sobre um viés das tranças: ancestralidade, preconceito, conscientização sobre o uso e o trabalho dos trancistas atualmente. E colocaram mãos à obra, com o aprendizado da técnica e a confecção de tranças em vários alunos.
O interesse no assunto serviu de inspiração para a aluna Julyana Guedes, 18. “O projeto foi um divisor de águas na minha vida. Antes, eu alisava e ‘relaxava’ o meu cabelo, usava a trança só para esconder o meu cabelo natural, porque eu não gostava dele solto”, diz.
Quando as aulas passaram a tratar de tranças, autoaceitação e autoestima, conta a aluna, ela entendeu que o cabelo também era bonito da forma natural. “Consegui passar pela transição [interromper o uso de química e aguardar a normalização do cabelo], conhecer o meu cabelo, me sentir bonita e hoje usar a trança como um ato de orgulho.”
Meninos também foram impactados. “Esse projeto resume o meu ensino médio, foi marcante demais. Me ensinou a maravilha que é ser preto e ter o cabelo crespo, independente dos preconceitos. A minha professora Cleide me ensinou um provérbio: eu só sou quem eu sou hoje por conta de quem nós somos”, conta Eduardo Vicente, 18, em referência ao princípio da filosofia ubuntu.
O resgate de identidade dos jovens se refletiu nas notas e na presença. “Quando cheguei, minhas turmas estavam sempre muito vazias. Então começamos o ‘Trançando Histórias’ e eles se enxergaram, viram a narrativa da mãe, da avó, da tia. Aí o cenário mudou.”
O projeto conseguiu abranger diversos aspectos da cultura africana, descreve Tâmara Wink, Marketing & Sales na 7Graus, grupo responsável pelo portal Toda Matéria.
“Não foram só as tranças. Eles aprenderam também sobre a dança, canto, teatro e outras formas de manifestação artística, com a transformação da vida não só dos alunos, como também da comunidade. A professora trabalhou um tema importante —o racismo— e a autoestima das crianças afetadas por ele, e integrou a ancestralidade e a história da nossa rica cultura”, diz.
“Na escola pública a maioria dos alunos é negra, mas eles não se reconhecem no material didático e nele a história africana não é vista de forma positiva. A gente precisa fazer com que nossas crianças fortaleçam sua identidade e conheçam seus direitos e deveres”, afirma a professora premiada.