A pergunta sobre querer ou não ter filhos recai majoritariamente sobre as mulheres por várias razões, entre elas o fato de que os homens são eternos pais potenciais.
Em cada ejaculação ocorrida numa relação com uma pessoa que pode engravidar (sendo ambos férteis), existe a possibilidade de um filho, mesmo que o homem só venha a sabê-lo anos depois. Além disso, um senhor de 80 anos pode engravidar a companheira e existem casos de inseminação post mortem.
Assim, a paternidade biológica está sempre colocada no horizonte dos nascidos sob a égide dos cromossomos XY, enquanto quem é XX tem uma janela de oportunidade bem estreita com a qual lidar.
Gestar e parir ocupa um pouco mais de dois anos na vida de quem engravida, se incluirmos a dedicação ostensiva que o aleitamento exige. Não seria o caso de que o jogo virasse depois do parto e a coletividade comparecesse para cumprir sua parte no cuidado com as próximas gerações? É assim que se dá em inúmeras comunidades tradicionais nas quais a puérpera é poupada de qualquer tarefa, exceto a de amamentar.
A frase “não posso ter filhos” dificilmente é utilizada para falar de um impedimento financeiro ou psíquico. Ela desconsidera a adoção como via para a parentalidade, revelando nossa fantasia biologizante. Mas não é só sobre os meios pelos quais temos filhos que se trata a injustiça reprodutiva. “Matheus” precisa ser embalado depois que chega e, nesse quesito, pais e mães estão separados por um abismo social, político e econômico.
Nossa sociedade, baseada na exploração, dobra a aposta e coloca quem pariu para cozinhar, lavar, limpar e cuidar sozinha de quem nasceu. Não raro, essa pessoa se encontra recém-operada e é a única provedora financeira da família. No Brasil, só em 2024, 153 mil crianças foram registradas sem o nome do pai na certidão.
Com tudo isso, é notório que as mães permanecem ao lado dos filhos mesmo em situações que concorrem com sua própria sobrevivência, enquanto homens os abandonam por motivos fúteis. O que as levaria a uma escolha tão estoica?
Elenco algumas razões aqui: a pressão social que confunde mulher com maternidade e pune as que não se ocupam da prole; do outro lado da mesma moeda, o prestígio de ser considerada uma boa mãe e, portanto, subentendida como uma boa mulher. Mas existe uma outra razão, mais profunda e igualmente digna de reflexão. A ética as impede de fazer o que muitos homens fazem, pois há muito as mulheres sabem que o cuidado é a verdadeira revolução. Como todos podemos testemunhar, uma sociedade baseada na competição se autodestrói.
Muitas mulheres e homens que entendem a centralidade do cuidador estão lutando pelo PL 3.773/2023, conhecido como “PL do Pai Presente”, que propõe o aumento da licença-paternidade, de míseros cinco dias para 30.
O estudo “Licença-paternidade: as vantagens da ampliação“, feito pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, revela que sociedade, empresas e Estado têm muito a ganhar com a medida, que reconhece a importância da presença paterna desde o início da vida.
A “PL do Pai Presente” entra nesta conversa como busca pela reparação histórica da ausência dos homens na tarefa de sustentar a vida, para além dos bens materiais.
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