O plano de restauração ambiental mais ambicioso do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), que previa a conversão de multas bilionárias em projetos de recuperação da fauna e flora, está emperrado em um emaranhado de burocracias administrativas e limitações de pessoal.
A criação da iniciativa de conversão de multas em programas e serviços ambientais foi apresentada pelo Ibama como a solução para seu passivo de mais de 200 mil multas ambientais, que somam cerca de R$ 30 bilhões, conforme dados de 2023.
Em média, menos de 5% dessas autuações são pagas pelos infratores. Os processos acabam mergulhados em intermináveis recursos administrativos e judiciais, sem que o pagamento ocorra efetivamente —isso quando a multa não prescreve.
Com o programa criado pelo Ibama, a multa pode ser trocada por algum projeto de preservação, melhoria ou recuperação ambiental. Como contrapartida, o autuado tem o valor de sua multa reduzido em até 60%, conforme o tipo de adesão que fizer e o prazo de recurso daquela infração.
Ao assumir o comando do Ibama no início do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em janeiro de 2023, o presidente do órgão, Rodrigo Agostinho, afirmou que o programa seria o principal instrumento de restauração e preservação do país.
Em março do ano passado, o advogado-geral da União, Jorge Messias, aprovou pareceres que permitiram a cobrança de R$ 29,1 bilhões em multas ambientais aplicadas pelo Ibama, mas que foram barradas pelo governo Jair Bolsonaro (PL) sob o argumento de prescrição. Isso permitiu que o órgão ambiental revertesse o ato de Bolsonaro que podia levar à anulação das multas.
Em junho do mesmo ano, o Ibama publicou um decreto para acelerar os resultados do programa, por meio de um formulário online de adesão que prometia reduzir “o tempo do processo de conversão de multas de anos para poucos minutos”.
Ocorre que, dois anos depois de o governo anunciar que faria uma reviravolta no cenário das multas ambientais, as conversões seguem em marcha lenta, com avanços pontuais e sem o ganho de escala que se esperava.
Apenas seis projetos estão em andamento. Quatro deles somam R$ 113 milhões —para os outros dois, não há valores contabilizados. Na prática, se considerados os R$ 30 bilhões em multas empilhadas no Ibama, essa cifra convertida não chega a 0,5% do total.
Os projetos em curso referem-se a ações institucionais criadas pelo próprio Ibama, como o apoio aos Cetas (Centros de Triagem de Animais Silvestres) e o programa Quelônios da Amazônia. O órgão aprovou ainda a restauração de flora ameaçada de extinção na mata atlântica em Santa Catarina e a recomposição da vegetação na bacia do rio Urucuia, entre Minas Gerais e Goiás.
Outros dois projetos mais recentes passaram a ser tocados pelo órgão com recursos de conversão, com o salvamento de animais na tragédia climática que castigou o Rio Grande do Sul e as queimadas que assolaram o pantanal neste ano. Estes dois projetos ainda não têm valores computados.
Grandes iniciativas que estavam planejadas e chegaram a ser anunciadas pelo Ibama, como a retomada do edital de restauração dos rios Rio São Francisco e do Parnaíba, que envolveriam 33 projetos e a conversão de R$ 4 bilhões em multas, não aconteceram até hoje.
A Folha apurou que o principal gargalo do programa está atrelado à sua complexidade financeira. Falta, até hoje, a definição de bancos parceiros para atuarem como intermediários dos repasses que serão feitos pelas empresas, para bancar os projetos que devem apresentar e que passam por análise e aprovação do Ibama.
Nos últimos meses, conversas foram realizadas com a diretoria do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, para se definir um “produto” que viabilize o trâmite financeiro, mas nenhum acordo foi efetivado.
Questionado sobre o assunto, o Banco do Brasil disse que, “no momento, a solução mencionada —que permitirá operacionalizar o programa de conversão de multas do Ibama— está em fase de estudo”.
Já a Caixa afirmou que “atua em parceria com o Ibama na construção de soluções financeiras em apoio aos projetos do instituto, inclusive no programa de conversão de multas ambientais”.
Responsável pela DBFlo (Diretoria de Biodiversidade e Florestas) do Ibama, Lívia Karina Passos Martins disse à reportagem que a definição dos trâmites financeiros teve de passar pelo crivo do TCU (Tribunal de Contas da União).
O modelo já está definido e, segundo Martins, haverá um anúncio formal de parceria com uma instituição financeira ainda em dezembro.
“Houve certa demora para resolver essa questão, porque os bancos não tinham serviço adequado para atender a conversão de multas. Passamos esse tempo discutindo isso com os bancos. Neste momento, a proposta é analisada pela procuradoria. Em breve, isso estará resolvido.”
Ainda em dezembro, segundo Martins, o Ibama deve publicar um novo edital como chamamento público para empresas interessadas em aderir ao programa. Há previsão de, pelo menos, mais R$ 100 milhões em novos projetos.
Os atuais programas em andamento são aqueles que o Ibama define como de modalidade indireta, pela qual o órgão federal pode ser o executor de projetos, e o autuado financia a entrega de insumos, materiais ou equipamentos. O modelo também permite o financiamento da prestação de serviços ou a execução de obras civis.
A segunda modalidade, que está emperrada, é a conversão direta, pela qual projetos apresentados pelo autuado devem passar por análise e aprovação do Ibama.
Nesse caso, o órgão publica um edital detalhando as áreas ou os serviços ambientais de interesse, e o autuado que assim desejar apresenta um projeto.