Ouvi do ator Selton Mello, em uma das inúmeras entrevistas que ele tem dado por todo canto nos últimos dias, um elogio a uma apresentadora de TV e um afago aos brasileiros que me deixaram mobilizado.
Ele disse mais ou menos assim, editando uma parte ou outra: “Você [Cissa Guimarães] é uma pessoa tão comovente. Eu gosto tanto de você… É tudo muito emocionante. Estamos em festa. É tudo muito bonito, inspirando novas gerações. Esse prêmio da Nanda [Fernanda Torres] simboliza todos nós. Somos nós que vencemos o Globo de Ouro“.
O depoimento foi curtinho, mas carregado de uma emoção vigorosa e carinhosa. Tudo em torno de uma legítima e clara comoção.
Alguém capaz de comover é alguém com força de fazer a gente repensar uma decisão que parecia tão concreta. É alguém que faz a gente redefinir uma verdade que se carregava ao longo de uma vida. É alguém que consegue dar energia para remexer entulhos de pensamentos.
Ser uma pessoa comovente é carregar em si experiências, vivências, palavras, fé, dores, desassossegos e um dom de atingir o outro com tiros que não matam nem ferem. Eles curam, alumiam, recheiam a existência.
Quem é comovente não economiza felicidade em encontros, não troca abraço por aperto de mão, não deixa ir embora antes de dar ao outro um alento, um espontâneo chamego com o olhar. Quem é comovente tem convicção da diferença que faz um momento, um gesto, um pão, uma palavra para melhorar o dia.
Daí a necessidade latente que temos tido dessa gente. Sem comoção, sem quem externe comoção, só há trabalho, produção e, quiça, algum resultado. O puro suco de “energia masculina”, como quer o Zuckerberg.
A gente ganha fôlego é com o sabor que vem da alegria da colega que conta a realização por ter ficado grávida, daquele amigo que relata histórias espirituais de seu terreiro, dos que ultrapassam doenças cruéis e destilam esperança, daquele que, finalmente, ganhou um espaço sendo exatamente aquilo que quer ser.
Estamos carentes de palcos por onde corram histórias que entreguem relatos que nos façam gargalhar, chorar, gritar, vibrar, interagir, dançar. Saciar nossas curiosidades sobre “quem foi Clara Nunes” numa busca no Google tem reduzido nossas emoções a parágrafos objetivos e insípidos.
É muito avanço de inteligência artificial dando resposta para tudo da realidade prática e pouco sentimento que aplaque angústias, solidões e dramas de multidões em seus repousos com a cabeça no travesseiro.
É a comoção que amaina a dureza teimosa que a vida vai ganhando quando se atravessa a infância, essa ainda resistente em sutilezas, doçuras e gestos de afeto.
Talvez seja também por isso que criança tenha o poder de derreter o sebo de nossas gorduras de achar tudo sem graça, tudo com segundas intenções, tudo mais do mesmo.
Precisamos de mais gente capaz de sacudir nossas certezas, que nos faça mergulhar mais nos sentidos que damos às coisas, que tire a previsibilidade de nossas ações que levam sempre ao mesmo lugar. Sejamos mais abertos à comoção, sejamos mais comoventes.
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