Em Novembro, Belém sediará a COP-30, recebendo lideranças de todo o globo para discutir o que a comunidade internacional pode fazer para reagir às mudanças climáticas. O evento nos convida também a refletir sobre a sua sede, sobre as múltiplas amazônias ali contidas e o impacto sanitário que as mudanças climáticas têm causado na vida dos Amazônidas. Mudanças na temperatura e nos ciclos hidrológicos impactam um amplo conjunto de determinantes da saúde, como a deterioração dos sistemas alimentares, o aumento das arboviroses, como malária e febre amarela, bem como dos acidentes cardiovasculares, como os infartos e os AVCs. Na Amazônia, o efeito das mudanças climáticas na saúde das pessoas é tudo, menos uma abstração.
Diante do debate sobre o legado do evento para a Amazônia, quais são os principais desafios de saúde pública da região hoje, e como as potencialidades do território podem ser utilizadas para endereçá-los?
Três anos e nove meses. O Estudo Institucional n.4, elaborado pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), no escopo do projeto Amazônia 2030, mostra que esta era a diferença média de expectativa de vida entre os paraenses e o resto do Brasil em 2019, quando se exclui dessa conta a Amazônia Legal. No estudo, vemos que a rede de saúde é sistematicamente menos densa que nas outras regiões do país: se no resto do Brasil temos 10,3 equipes de saúde da família, que se configuram como a espinha dorsal do SUS, para cada 1000 km² de território no resto do Brasil, na Amazônia esse número desce para 1,2. A população amazônida percorre em média 134 km até o equipamento de hemodiálise mais próximo, no resto do Brasil a média dessa distância é de 43km.
Dados do Painel de Demografia Médica, do Conselho Federal de Medicina (CFM), mostram que o Brasil possui 2,81 médicos por mil habitantes (2024). No entanto, essa distribuição é bastante desigual: enquanto a cidade de Vitória (ES) possui 18,7 médicos por mil habitantes, no interior do Pará essa taxa cai para 0,55. Fazendo uma conta simples, a chance de cruzarmos com um médico no interior do Pará é cerca de 33 vezes menor do que em Vitória.
O fator amazônico, isto é, o conjunto de desafios gerados pela geografia da região, também desafia a provisão dos serviços de saúde. As longas distâncias, os rios, com suas cheias e secas, e a baixa densidade populacional são barreiras quase intransponíveis para o SUS. Como prover saúde de maneira eficiente em uma cidade como Altamira, com uma população inferior ao bairro carioca de Copacabana, mas com uma abrangência geográfica comparável a distância de São Paulo a Porto Alegre?
Além disso, temos um conjunto de fatores demográficos e sociais. Estão aqui a ainda alta incidência de doenças negligenciadas como a Leishmaniose, Chagas e as Hepatites Virais, além das mudanças nos modos de vida que impactam de maneira determinante a desnutrição e falta de segurança alimentar. Nas causas externas, observamos um alto nível de violência e conflitos territoriais, muitas vezes associados ao garimpo e ao desmatamento, sem falar na alta prevalência de acidentes de trânsito.
Caminhos para superar desafios
Três anos e nove meses. Para superar esse desafio, precisamos progredir em três direções. Primeiro, melhorar os fundamentos do sistema de Saúde na região, garantindo provimento adequado de médicos, equipamentos de saúde e tecnologias. Cabe ao Ministério da Saúde criar estratégias que efetivamente gerem equidade, levando em conta em suas políticas que a provisão de serviços de saúde é mais cara na Amazônia Legal. Já os governos estaduais, por sua vez, podem usar sua capacidade para prover soluções em escala e coordenar os investimentos na rede.
A provisão e fixação de médicos nos interiores se constitui como uma barreira para o acesso à Saúde na região. Em geral, médicos tendem a se fixar principalmente nas cidades onde nasceram e onde estudaram. Portanto, iniciativas que fomentem que pessoas do interior estudem medicina e que estimulem instituições de formação médica a criar campos de prática em áreas remotas podem contribuir para aumentar a presença destes profissionais na região. A experiência australiana de criação de carreiras onde profissionais médicos passam parte de sua prática profissional nos rincões mais distantes do país também pode nos servir de inspiração.
Segundo, identificar e escalar as estratégias assistenciais mais efetivas para cada uma das amazônias. Aqui abundam os exemplos e inovações. Das UBS Fluviais aos kits UBS da Floresta, criados pelo Projeto Saúde & Alegria, passando pelo uso de chatbots de saúde, elaborados pela Prefeitura de Manaus, e pela ampliação de conectividade e uso de telemedicina, desenvolvida pelo Conexão Povos da Floresta. Existem diversas inovações sendo testadas e escaladas, com o potencial de virar esse jogo.
Por fim, é fundamental romper a barreira ontológica que separa o ocidente branco das visões de mundo dos povos das águas e das florestas, dos povos originários e dos quilombolas. Se faz necessário aqui um difícil exercício de simetrização. É preciso que criemos espaços onde pessoas diferentes entre si possam dialogar para, a partir daí, construirmos pontes e alianças baseadas na solidariedade e na reciprocidade. Os sistemas de saúde devem abrir seus ouvidos para o outro, interligando as diferentes formas de cuidado que estão presentes no mosaico amazônico. Para isso, é fundamental respeitar os especialistas tradicionais e suas medicinas.
Nos últimos 10 anos Jaider Esbell, Denilson Baniwa e o coletivo Mahku fizeram do ambiente da arte contemporânea, por vezes considerado hermético e elitista – não sem razão -, um espaço para a formação de alianças entre diferentes. Talvez seja essa a narrativa do realismo esperançoso para a COP 30: que como no mundo das artes, este encontro nos ajude a encontrar alianças entre os diferentes para os maiores desafios do nosso tempo.
Esse debate integra as ações do Afluentes, um projeto criado para apoiar e fortalecer estratégias de redução da morbidade e da mortalidade de gestantes e pessoas com hipertensão em áreas da Amazônia Legal. O projeto é realizado pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e financiado pelo programa Juntos pela Saúde, uma iniciativa idealizada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), gerida pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), em parceria com a Umane. O Afluentes é realizado com o apoio técnico do Projeto Saúde e Alegria (PSA) e da ImpulsoGov. Além do Juntos pela Saúde, o projeto também recebe apoio do Instituto Arapyaú e da Concertação pela Amazônia.
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Arthur Aguillar é diretor de políticas públicas do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS)
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