Inaugurado em 1963 para desviar o fluxo de trânsito pesado do centro de Belo Horizonte e fazer a ligação com a região metropolitana, o Anel Rodoviário se tornou, na prática, uma das principais vias do perímetro urbano da capital mineira.
Com o desenvolvimento da cidade, o trecho de 26,2 quilômetros, pelo qual passavam cerca de 1.500 veículos por dia há 60 anos, agora vê um tráfego de mais de 160 mil por dia.
O Anel é uma rodovia federal, que se conecta a outras BRs, e, pela legislação, tem trechos com velocidades superiores às de vias urbanas. Esse conjunto de fatores faz com que o local lidere as estatísticas de ocorrências de trânsito com vítimas e óbitos na cidade.
“Ocorre uma mistura perigosíssima, de quem se desloca dentro da cidade com aquelas pessoas que estão saindo de Porto Alegre para Salvador, por exemplo”, afirma Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Infraestrutura, Supply Chain e Logística da Fundação Dom Cabral.
O tema se tornou prioridade para a nova gestão do prefeito reeleito Fuad Noman (PSD). Ele pretende municipalizar a gestão do Anel Rodoviário, hoje sob administração do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes).
A ideia é que a transferência melhore a fiscalização e a manutenção da via e agilize obras consideradas pela prefeitura como essenciais para desafogar o trânsito e diminuir as ocorrências no local.
Em novembro, o ministro dos Transportes, Renan Filho, confirmou a transferência do trecho em visita do prefeito a Brasília, mas, até o momento, ela ainda não se concretizou.
Procurado, o Dnit afirmou que os trâmites para a efetivação da transferência estão em andamento e 3 dos 5 requisitos previstos em normativa de 2022 para processos desse tipo foram concluídos.
As duas condições que faltam se referem a um inventário de levantamento patrimonial do trecho a ser transferido e a uma pesquisa cartorial para verificar se a titularidade do imóvel a ser doado possui registro em nome da União.
A Prefeitura de BH diz já ter cerca de R$ 65 milhões garantidos em recursos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), com projeto aprovado, para obras em dois viadutos no trecho próximo à Arena MRV, estádio do Atlético-MG.
Há ainda outras seis intervenções em viadutos e alças de acesso no trecho do Anel, e a gestão diz já ter garantido R$ 1,2 bilhão de financiamento do PAC para essas obras, que ainda não têm projeto aprovado.
Outra questão é o valor para gestão e manutenção do trecho. O superintendente de Mobilidade da prefeitura, André Dantas, afirma que, quando o governo estadual e o Dnit estudaram uma estadualização do trecho, há cerca de dez anos, o valor de operação do local girava em torno de R$ 100 milhões por ano.
“Em 2012, o Dnit ia gastar R$ 18 milhões só em projetos para novas obras. Nós observamos o estado desses estudos e concluímos que vamos ter que fazer tudo de novo, em nível de detalhamento para licitação. É uma tarefa hercúlea”, diz o superintendente.
O prefeito Fuad costuma afirmar que recursos não serão empecilhos para a transferência da gestão do Anel. Entretanto, o subsecretário de Planejamento e Orçamento da cidade, Bruno Passeli, disse em entrevista recente ao portal O Fator que não há recursos previstos no Orçamento de 2025 para a manutenção da via.
Os especialistas ouvidos pela Folha consideram positiva a municipalização da via pela prefeitura, diante da necessidade de investimentos no local, mas fazem ressalvas.
Bárbara Matos, professora do departamento de Engenharia Urbana da UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto) e que concluiu tese de doutorado sobre o Anel Rodoviário, afirma que o trecho deve ser pensado também como um espaço de circulação de pedestres.
“É a via com maior quantidade de mortes por atropelamentos em Belo Horizonte, concentrando cerca de 25% desse tipo de ocorrência anualmente”, diz a professora.
Já Paulo Resende, da Dom Cabral, afirma que o problema do tráfego de veículos pesados na região só será resolvido com a conclusão do Rodoanel, obra de cem quilômetros do governo estadual com a iniciativa privada para ligar as 11 cidades da região metropolitana.
Ele também sugere que, com a municipalização, a gestão municipal deveria fazer parceria com o próprio Dnit ou com concessionárias de rodovias para o compartilhamento de conhecimento da operação de trechos como esse.
“A Prefeitura de Belo Horizonte não tem experiência na gestão de vias de alto volume de tráfego, com as características do Anel, que é de extrema complexidade”, diz Paulo.
A Folha apurou com pessoas ligadas à prefeitura que, entre as medidas cogitadas para o trecho a partir da municipalização, estão a instalação de novos radares e até a proibição de motocicletas no local.
A viabilidade da segunda medida é contestada pelos dois professores, tanto por segregar um modelo de transporte do trecho quanto pela sua dificuldade de fiscalização.