Há cerca de 2.000 anos, o Império Romano estava florescendo. Mas algo sinistro estava no ar. Literalmente.
A poluição generalizada na forma de chumbo no ar estava afetando a saúde e a inteligência, relataram pesquisadores na segunda-feira (6), na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.
Durante os aproximadamente dois séculos a partir de 27 a.C., um período de relativa estabilidade e prosperidade conhecido como Pax Romana, o império se estendeu por toda a Europa, Oriente Médio e Norte da África. Sua economia dependia da cunhagem de moedas de prata, o que exigia enormes operações de mineração.
Mas extrair prata da Terra gera uma grande quantidade de chumbo, disse Joseph McConnell, cientista ambiental do Desert Research Institute, um grupo sem fins lucrativos com sede em Nevada, e autor principal da nova pesquisa. “Se você produz uma onça [cerca de 28 g] de prata, teria produzido algo como 10 mil onças [283 kg] de chumbo.”
E o chumbo tem uma série de efeitos negativos no corpo humano. “Não existe um nível seguro de exposição ao chumbo,” disse Deborah Cory-Slechta, neurotoxicologista do Centro Médico da Universidade de Rochester, que não participou da pesquisa.
McConnell e seus colegas detectaram chumbo em camadas de gelo coletadas na Rússia e na Groenlândia que datam da época do Império Romano. O chumbo entrou na atmosfera a partir das operações de mineração romanas, pegou carona nas correntes de ar e eventualmente caiu da atmosfera como neve no Ártico, deduziu a equipe.
Os níveis de chumbo que McConnell e seus colaboradores mediram eram extremamente baixos, aproximadamente uma molécula contendo chumbo por trilhão de moléculas de água. Mas as amostras de gelo foram coletadas a milhares de milhas do sul da Europa, e as concentrações de chumbo teriam se dispersado significativamente após uma jornada tão longa.
Para estimar a quantidade de chumbo originalmente emitida pelas operações de mineração romanas, os pesquisadores trabalharam de trás para frente: usando modelos computacionais poderosos da atmosfera do planeta e fazendo suposições sobre a localização dos locais de mineração, a equipe variou a quantidade de chumbo emitida para corresponder às concentrações que mediram no gelo.
Em um caso, assumiram que toda a produção de prata ocorreu em um local de mineração historicamente importante no sudoeste da Espanha conhecido como Rio Tinto. Em outro caso, presumiram que a mineração de prata estava igualmente distribuída por dezenas de locais.
A equipe calculou que entre 3.300 a 4.600 toneladas de chumbo estavam sendo emitidas na atmosfera a cada ano pelas operações de mineração de prata romanas. Os pesquisadores então estimaram como todo esse chumbo seria espalhado pelo Império Romano.
“Rodamos o modelo na direção direta para ver como essas emissões seriam distribuídas,” disse McConnell.
Com essas concentrações atmosféricas de chumbo em mãos, os pesquisadores usaram dados modernos para estimar quanto chumbo teria entrado na corrente sanguínea das pessoas na Roma antiga.
McConnell e seus colegas se concentraram em bebês e crianças. Os jovens são particularmente suscetíveis a absorver chumbo do ambiente por ingestão e inalação, disse o Bruce Lanphear, médico de saúde pública da Simon Fraser University na Colúmbia Britânica, que não participou da pesquisa. “Quilo por quilo, as crianças, especialmente os bebês, comem mais e respiram mais.”
Nas últimas décadas, os níveis de chumbo no sangue das crianças foram correlacionados com uma série de métricas de saúde física e mental, incluindo QI, disse Cory-Slechta. “Temos dados reais sobre scores de QI em crianças com diferentes concentrações de chumbo no sangue.”
Usando essas relações modernas, McConnell e sua equipe estimaram que crianças em grande parte do Império Romano teriam cerca de 2 a 5 microgramas adicionais de chumbo por decilitro de sangue. Esses níveis correspondem a quedas de QI de aproximadamente 2 ou 3 pontos.
Para comparação, crianças americanas na década de 1970 tinham aumentos médios de nível de chumbo no sangue de cerca de 15 microgramas a mais por decilitro de sangue antes da eliminação gradual da gasolina com chumbo e tintas com chumbo. Sua correspondente queda média de QI era de cerca de 9 pontos.
Mas a exposição ao chumbo teria tido outros efeitos negativos nos romanos também. Níveis mais altos de chumbo no sangue também foram associados a maiores incidências de nascimentos prematuros e redução do funcionamento cognitivo na velhice. “Isso te acompanha ao longo da vida,” disse Lanphear.
Alguns estudiosos hipotetizaram que o envenenamento por chumbo desempenhou um papel importante no declínio do Império Romano. Mas essa ideia foi questionada, pelo menos quando se trata de água contaminada por canos de chumbo. Um estudo de 2014 mostrou que, embora os canos usados para distribuir água em Roma aumentassem os níveis de chumbo, era improvável que a água fosse realmente prejudicial.
Essas novas descobertas fazem sentido, disse Hugo Delile, geoarqueólogo do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, que não participou da pesquisa. “Elas confirmam a extensão da poluição por chumbo resultante das atividades de mineração e metalurgia romanas.”
De acordo com McConnell, a pesquisa também confere uma honra duvidosa à mineração romana. “Até onde sei, é o exemplo mais antigo de poluição industrial generalizada,” disse ele.