Louise Brown, o primeiro bebê de proveta do mundo, tem hoje 46 anos. Quando nasceu, em 1978, foi notícia de jornal. O mesmo aconteceu com Anna Paula Bettencourt Caldeira, primeira brasileira a nascer fruto da FIV (fertilização in vitro), em 1984.
Hoje, a estimativa é que 10 milhões de bebês tenham sido gerados por essa técnica. Dados da SBRA (Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida) de 2023 indicam que foram feitos mais de 384 mil ciclos de FIV no Brasil nos últimos dez anos.
Difícil pensar que uma prática hoje disseminada, disponível no SUS (Sistema Único de Saúde), era motivo de burburinho há tão pouco tempo. Mas era. E o podcast “Reinventando a Natureza”, produzido pela jornalista Nathalia Cariatti, sob a batuta do Instituto Serrapilheira, reconstrói essa história explorando os muitos impactos sociais, éticos e econômicos da FIV.
Ao longo de cinco episódios, a jornalista aborda temas como o congelamento de gametas, a história (e funcionamento) da FIV, a doação de óvulos e a gestação com óvulos doados, a venda de óvulos e o mercado de material genético e, por fim, o movimento de filhos da FIV que buscam suas raízes genéticas.
As histórias são comuns —mulheres nos seus trinta e tantos anos que decidem congelar óvulos sem saber se querem mesmo ser mães, mulheres obcecadas com a ideia da gestação que decidem embarcar numa gravidez com óvulos doados—, e por isso mesmo saborosas. É fácil criar empatia pelas personagens escolhidas. Elas se abrem, demonstram vulnerabilidades e derramam dores profundas e muito associadas às questões de gênero contemporâneas.
Logo no primeiro episódio, dedicado ao congelamento de óvulos, uma das especialistas entrevistada questiona: será que essa corrida para as clínicas não é uma forma de manter a maternidade como uma questão central para as mulheres, mesmo para aquelas que não querem, necessariamente, ser mães? Dados coroam a questão: em um hospital em Londres, a cada cem mulheres que congelaram seus óvulos entre 2016 a 2022, só 16 voltaram para descongelar.
Cariatti pondera que é impossível saber se isso significa que elas engravidaram naturalmente ou desistiram da maternidade, mas diz que “talvez o congelamento seja um fim em si mesmo”.
O trabalho coloca a FIV no centro de outros debates, a tal ponto que a prática ganha dimensões de uma revolução não só científica, mas social, econômica e moral. Entram questões morais e econômicas que continuam mal resolvidas desde o século passado. É o caso da venda de gametas e da barriga de aluguel, práticas proibidas no Brasil.
No primeiro caso, o podcast traz a história de uma brasileira abordada por meio de um site por uma clínica americana para vender óvulos por US$ 10 mil. Ela topou e recebe até hoje fotos da menina que foi gerada pelo seu DNA. A mulher diz ter clareza de que aquela criança não é sua filha, é apenas seu material genético.
O trunfo do podcast está nessa mistura de histórias convencionais, com as quais toparíamos em uma festa da firma, com a reflexão aprofundada sobre o impacto da FIV na função reprodutiva e, consequentemente, no gênero feminino.
Em um contexto em que a FIV continua em risco pelo avanço de políticas que minam os direitos reprodutivos a partir do aborto, como aconteceu no Alabama neste ano, destrinchar a prática em todos os seus aspectos está longe de ser um capricho da classe média.
Como parte da iniciativa Todas, a Folha presenteia mulheres com três meses de assinatura digital grátis