Cerca de 4,5 bilhões de anos atrás, Plutão foi subitamente acompanhado por um companheiro. Por um período muito breve —talvez apenas horas—, dançaram como se estivessem de braços dados antes de se separarem gentilmente, o que resultou no cenário visto hoje do planeta-anão e de seu quinteto de luas orbitando o Sol.
Os astrônomos há muito se perguntam como Caronte, a maior dessas luas, passou a orbitar Plutão. Uma pesquisa publicada na última segunda-feira (6) na revista Nature Geoscience descreveu uma possível sequência de eventos que pode responder a essa questão.
“O motivo pelo qual Plutão e Caronte são tão interessantes é porque Caronte tem 50% do tamanho de Plutão”, disse a cientista planetária Adeene Denton, da Universidade do Arizona, que liderou o artigo. “O único sistema comparável é a Terra e sua Lua.”
Caronte tem cerca de 1.200 quilômetros de diâmetro, enquanto Plutão, quase 2.500. Essa proporção de tamanhos sugere que vários cenários convencionais explicando como luas se formam são improváveis, incluindo teorias de que Caronte surgiu a partir de detritos ao redor de Plutão ou de que foi capturada pela atração gravitacional do planeta-anão.
A existência de Caronte poderia, então, ser explicada pelo tipo de colisão que se acredita ter formado a Lua da Terra?
Os tamanhos de Plutão e Caronte tornaram difícil entender como o planeta-anão e o satélite “não se fundiram”, o resultado mais provável de um cenário explosivo desse tipo, segundo Erik Asphaug, também cientista planetário da Universidade do Arizona e coautor do artigo.
Plutão e Caronte estão em uma região do Sistema Solar externo além de Netuno chamada Cinturão de Kuiper, o que os torna muito rochosos e gelados. Ao incluir essas propriedades em seu modelo, a equipe de pesquisa elaborou um cenário em que os dois corpos colidiram e ficaram presos sem se fundir.
Se Caronte atingisse Plutão a uma velocidade relativamente tranquila de aproximadamente 3.200 quilômetros por hora —dez vezes mais lento do que o impacto que formou a Lua da Terra—, os dois corpos teriam permanecido em contato por cerca de dez horas antes de se separarem gradualmente, mas continuarem juntos. Os pesquisadores descreveram esse encontro como um “beijo e captura”.
A resistência dos dois corpos impediu que se quebrassem, de acordo com Denton.
Plutão estaria girando uma vez a cada três horas na época (o comprimento de um dia em Plutão hoje é de cerca de 150 horas), então os dois teriam girado três vezes enquanto estavam unidos. O momento angular de Plutão girando teria então empurrado lentamente Caronte para longe, porém a deixou presa na órbita do planeta-anão.
Bill McKinnon, cientista planetário da Universidade de Washington em St. Louis, disse que o cenário “faz sentido” dada a grande quantidade de objetos que se acredita que vagava pelo Cinturão de Kuiper no início do Sistema Solar.
“A captura por colisão é provavelmente um processo comum”, afirmou ele.
O impacto teria significado que “basicamente toda a superfície de Plutão seria refeita”, disse Denton, com Caronte perdendo a maior parte do gelo em sua superfície para o planeta-anão. “O impacto é um reset geológico para o sistema.”
Também poderia ter resultado na formação das outras quatro luas conhecidas de Plutão —Nix, Styx, Kerberos e Hydra— que são pequenas em comparação com Caronte e foram avistadas quando a espaçonave New Horizons, da Nasa, passou pelo planeta-anão em 2015.
O modelo da equipe poderia oferecer uma nova explicação de como algumas luas acabam orbitando outros mundos.
“Isso leva a uma nova reviravolta na física”, disse Asphaug. “Tínhamos essa ideia de que a força não importa em colisões. Temos que revisitar essa suposição, mesmo para a formação de nossa Lua.”
Estudar Plutão com mais detalhes pode nos dizer se sua dança cósmica realmente aconteceu, embora provavelmente leve muito tempo antes que outra espaçonave visite o planeta-anão.
“Se Caronte depositou algumas de suas rochas em Plutão, seria possível ver isso nos dados de gravidade”, disse Denton. “Infelizmente, precisaríamos voltar a Plutão para testar isso.”