O lançamento do PlayStation, há exatos 30 anos, foi uma revolução na indústria de videogames. Com tecnologia avançada e estratégias de marketing ousadas, a entrada da Sony no mercado de games em 3 de dezembro de 1994 mudou para sempre a forma como os jogos são feitos, comercializados e vistos pelo público em geral. E pensar que tudo começou com uma traição.
“Teve toda uma novela, parece até aquela música da Joelma, ‘A Lua me Traiu’”, diz Cleidson Lima, diretor do Museu do Videogame Itinerante e jornalista com mais de 30 anos de experiência na cobertura de games.
Após uma série de parcerias com a Nintendo, que tinha amplo domínio no mercado no fim dos anos 1980, a Sony começou a desenvolver um console híbrido. O aparelho seria capaz de rodar tanto jogos de Super Nintendo em cartuchos quanto em um novo formato de CD-ROM.
Idealizado como uma espécie de centro de entretenimento, o aparelho seria revelado pela Sony na CES (feira de eletrônicos em Las Vegas) de 1991. No entanto, dias antes do evento, a Nintendo resolveu cancelar o acordo e divulgou uma nova parceria com a holandesa Philips, rival da Sony no mercado de eletroeletrônicos, para criar um periférico similar.
“A Sony não tinha muito interesse em desenvolver ‘um brinquedo’, como os videogames eram vistos na época. O Ken Kutaragi [hoje considerado ‘pai do PlayStation’] brigou muito dentro da empresa para que ela entrasse nesse mercado”, diz Fernando Tomaselli, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
“A Sony não foi avisada com antecedência pela Nintendo, ficou sabendo meio que por terceiros do fim da parceria. Aí o pessoal na época ficou bem mordido com isso e deu sinal verde para o Kutaragi desenvolver o console.”
A grande novidade do aparelho idealizado por Kutaragi era a utilização de CDs como mídia para os jogos, em vez dos cartuchos. Além de serem mais baratos para produzir, eles tinham uma capacidade de armazenamento muito maior do que os chips da época, o que possibilitava o desenvolvimento de jogos maiores e com gráficos 3D –que se tornaram o padrão da indústria.
“Embora nós tenhamos jogos sensacionais da era de 8, 16 bits [Nintendo, Super Nintendo e Mega Drive, entre outros], os desenvolvedores eram conduzidos pela economia de dados. Você tinha que ser criativo, mas você tinha que economizar porque no chip não cabia tantas informações”, afirma Lima. “Quando o PlayStation chega com aquele disco com 600 e tantos megas, liberou a criatividade de todo mundo.”
A Sony, porém, não era a única do mercado a ver o futuro nos CDs. Paralelamente a isso, a Sega desenvolvia seu próprio console com mídia em CD: o Sega Saturn, lançado pouco antes do PlayStation no Japão (11 dias) e nos Estados Unidos (quatro meses).
Apesar de não ter a experiência de suas concorrentes no mercado de games, a empresa se sobressaiu na disputa aplicando a expertise adquirida em outras áreas.
Como fabricante de aparelhos eletrônicos, a Sony acumulava tecnologia e capacidade técnica de sobra para construir um console mais barato que seus concorrentes. Além disso, aplicando princípios de produção de CDs musicais adquiridos pela Sony Music, a empresa otimizou a estratégia de fabricação de jogos, possibilitando uma margem de lucro maior tanto para ela quanto para as publishers que lançavam seus títulos no PlayStation.
“Ela conseguia fazer com que o jogo chegasse na ponta, no consumidor final, pela metade do preço”, afirma Tomaselli. “Além disso, ela tinha condições contratuais mais liberais do que, por exemplo, a Nintendo. Por essa flexibilidade, as publishers acabaram migrando para o console.”
Aproveitando-se da capacidade de rodar jogos mais complexos, a Sony passou a investir em um público de jovens adultos, que nessa época só encontravam títulos para sua idade em fliperamas e nos PCs. Rapidamente, títulos como “Tomb Raider”, “Resident Evil” e “Metal Gear Solid” se tornaram grandes sucessos de venda.
Mas as opções não se restringiam a isso. O PlayStation contava também com ótimos jogos esportivos (“Gran Turismo”, “Winning Eleven” e “Tony Hawk’s Pro Skater”) e até um mascote para concorrer com Super Mario e Sonic (o simpático e amalucado “Crash Bandicoot”).
Capaz de rodar jogos mais complexos, com fabricação mais barata e uma biblioteca vasta de games, não demorou para o PlayStation alcançar números superlativos.
Em seis meses o console alcançou a marca de 1 milhão de unidades vendidas no Japão. Lançado em 9 de setembro de 1995 nos EUA, o PlayStation superou em dois dias o número de Sega Saturns comercializados no país, esgotando estoques. Antes de completar um ano, a marca da Sony já representava cerca de 20% de todo o mercado de games dos EUA.
No início de 1996, a Sony já registrava receita de US$ 2 bilhões (US$ 3,9 bilhões em valores atualizados) com vendas de sua divisão de games. No mesmo ano, estima-se que cerca de 400 jogos eram desenvolvidos para PlayStation, contra 200 para o Sega Saturn e apenas 60 para o recém-lançado Nintendo 64.
Ao todo, a Sony contabiliza que foram vendidas 102,4 milhões de unidades do console no mundo todo.
O sucesso se estendeu para além dos interesses da própria Sony. Mercados periféricos, como o Brasil, não chegaram a receber oficialmente o PlayStation. Ainda assim, graças ao mercado cinza de importação e à pirataria de jogos, a marca fez um imenso sucesso, chegando a virar sinônimo de videogame para muitas pessoas.
“A pirataria era a forma que nós brasileiros tínhamos de jogar os títulos que não vinham para o Brasil. A popularização dos games também aconteceu muito por conta disso”, afirma Guilherme Camargo, coordenador da pós-graduação de game business na ESPM. “O jeito Brasil de conseguir ter acesso a um produto que não está disponível é burlar o sistema.”
A adoção da mídia em CD-ROMs foi um dos facilitadores para a pirataria. Ainda que existissem cartuchos piratas de jogos de videogame, a facilidade para gravar CDs, tão importante para diminuir os custos de produção da indústria, também abriu portas para a cópia em massa de jogos eletrônicos.
Tomaselli afirma, porém, que foi a pirataria que acabou afastando a Sony do Brasil, já que ela tornava seu modelo de negócio inviável no país.
“Para a Sony, a gente era um mercado péssimo. Ela subsidiava o console para ganhar na venda de jogos, e a gente só comprava jogo pirata”, diz. “Era bizarro, né? O jogo custava R$ 100, R$ 150, e tinha a barraquinha que vendia um por R$ 10 e dois por R$ 15. Então, sim, ajudou a popularizar o videogame no Brasil, mas a pirataria não é o que explica o sucesso global do PlayStation.”
Principais lançamentos da Sony no mercado de games
1994 O PlayStation é lançado no Japão em 3 de dezembro e, no ano seguinte, chega aos mercados americano e europeu. Ao longo de seu seu ciclo de vida, se torna o console mais vendido do mundo, superando o NES (Nintendo Entertainment System)
2000 O PlayStation 2 é lançado e alcança um sucesso ainda maior que seu antecessor. Com preço subsidiado, o console se torna um dos leitores de DVD mais baratos do mercado, o que ajuda a impulsionar suas vendas. É até hoje o videogame de maior sucesso comercial, com mais de 160 milhões de unidades vendidas
2004 A Sony entra no mercado de videogames portáteis com o lançamento do PSP (PlayStation Portable). O aparelho se apresentava como uma estação portátil de entretenimento, funcionava como um tocador de MP3 e era capaz de rodar filmes com qualidade de DVD, além de rodar jogos
2006 Com a chegada do Blu-ray, a Sony tenta repetir a fórmula de sucesso no PlayStation 3. O equipamento, porém, ainda tinha um custo alto e enfrentava uma feroz concorrência com o Xbox 360, da Microsoft. Com isso, não conseguiu repetir o sucesso dos antecessores e vendeu 87 milhões de unidades
2011 O PlayStation Vita é lançado como nova aposta da Sony para o mercado de videogames portáteis. Com novos recursos, como tela sensível ao toque e touchpad na parte traseira, o aparelho ganhou uma legião de fãs fervorosos. Ainda assim, sofreu com a concorrência dos smartphones, recheados de jogos gratuitos
2013 Com o lançamento do PlayStation 4, a Sony focou principalmente na experiência de jogar. Adaptado ao mundo online, o console tinha uma série de recursos para facilitar o compartilhamento das experiências dos jogadores nas redes sociais. O primeiro console PlayStation a ser lançado nos Estados Unidos antes do que no Japão vendeu 117 milhões de unidades mundo afora
2016 A Sony entra no mundo da realidade virtual com o lançamento do PlayStation VR. Com recursos de ponta, o aparelho se prontificou a popularizar a tecnologia, mas não atingiu o objetivo devido às limitações ainda existentes e ao preço elevado
2020 Em meio à pandemia de Covid-19, o PlayStation 5 é lançado. A busca por entretenimento durante o isolamento social faz com que a procura pelo console seja grande, mas a crise logística decorrente da pandemia limita sua produção. Ainda assim, o número de unidades vendidas é comparável ao do PlayStation 4
2023 Seguindo a linha dos recursos táteis e imersivos do PS5, a PlayStation lança um novo aparelho de realidade virtual: o PlayStation VR2. Mais leve e com menos fios, o aparelho dá uma resposta às principais críticas contra o seu antecessor. O preço alto e a ausência de grandes lançamentos, porém, evitam que ele se torne um sucesso de vendas