“Você recebeu o diagnóstico de malformação fetal incompatível com a vida? Nós sentimos muito.” É com a pergunta direta e as palavras de conforto que o site Incompatível, idealizado pela diretora de cinema Eliza Capai, recebe seus usuários.
A plataforma, lançada nesta quarta-feira (6), é um desdobramento do documentário “Incompatível com a Vida“, dirigido por Capai e vencedor do prêmio É Tudo Verdade de 2023, no qual ela relata a própria experiência com uma gravidez do tipo e conta histórias de outras mulheres que viveram a situação.
A ideia do site, diz Capai, veio até antes da ideia de fazer um filme, mas se concretizou só depois. “O filme tem uma utilidade emocional muito grande para quem passa ou passou por essa situação, e o site é uma ferramenta.”
No longa, ela conta de sua gravidez desejada e de como, por volta das 14 semanas de gestação, descobriu que o feto tinha uma malformação que impossibilitaria a sobrevida fora do útero. Na época, Capai vivia em Portugal, onde o aborto é permitido até dez semanas de gestação. Casos de malformação, porém, podem ser interrompidos até mais tarde, assim como quando há risco para a vida da mãe.
Em muitos casos de incompatibilidade, diz Capai, a gestação se torna de risco. “Além disso, é uma tortura exigir levar adiante a gestação de um filho que não vai sobreviver.”
O aborto é permitido no Brasil quando há risco à vida da mãe e em caso de estupro e anencefalia do feto, independentemente do tempo de gravidez. Casos de incompatibilidade com a vida por malformação, às vezes, conseguem judicialmente o acesso ao aborto –segundo Capai, acaba sendo uma judicialização dos casos de anencefalia. “Assim como o caso do feto anencéfalo, é um feto que não vai sobreviver”, diz.
O site traz informações claras sobre os casos em que o aborto é permitido no Brasil e oferece um passo a passo de como buscar o aborto pela via judicial em casos de incompatibilidade com a vida que advém de malformações diferentes da anencefalia. A avaliação é feita caso a caso pelos juízes, e o pedido pode ser recusado.
A diretora afirma que ainda existem questões mal resolvidas no âmbito hospitalar para casos de incompatibilidade com a vida. Ela ouviu uma série de relatos, alguns retratados no documentário, de que médicos podem demorar para fechar o laudo que ateste a condição.
Em Portugal, Capai fez um ultrassom numa sexta-feira, no último horário, e recebeu indicação de retorno para o dia seguinte, um sábado. Nesse segundo exame, foi avaliada por uma equipe de médicos e na quarta-feira seguinte tinha o diagnóstico de incompatibilidade com a vida. A recomendação médica foi a interrupção da gestação.
Nos casos brasileiros, porém, as notícias dadas pelos médicos eram menos diretas. “Muitas mulheres recebiam o diagnóstico no sexto, sétimo mês, quando o feto é maior, quando as pessoas já estão sabendo, o bercinho já está montado”, diz.
O resultado é que algumas interrupções acabam sendo tardias –o que seria afetado diretamente por investidas como o PL Antiaborto por Estupro, que quer colocar um teto de 22 semanas na interrupção de gestações por estupro quando houver viabilidade fetal, aumentando a pena para quem realizar o procedimento após esse período (médicos e gestantes).
Outro aspecto para o qual Capai chama a atenção na plataforma é a forma de lidar com esse tipo de gestação do ponto de vista do acolhimento psicológico. “Mesmo sabendo que o bebê não tem sobrevida, ele é entubado. Você não deixa a família viver uma despedida digna e faz o bebê sofrer uma entubação. Não tem como pegar no colo, fazer carinho, se despedir”, diz a diretora.
Capai diz que ouviu relatos de mulheres que chegaram nos seus quartos de hospital após os procedimentos necessários e viram um bercinho vazio ao lado da cama.
No site, existe uma seção que reúne recomendações aos profissionais de saúde, e a rapidez no diagnóstico é enfatizada. Ela indica, ainda, grupos de apoio sobre luto parental.