Embora a demanda por combustíveis fósseis –carvão, petróleo e gás– deva atingir seu pico antes do fim desta década, havendo um aumento expressivo do uso de fontes de energia renováveis, o atual cenário global não aponta para uma posterior redução acentuada das emissões de gases-estufa.
Dessa forma, o planeta está em uma trajetória de aquecimento de 2,4°C: bastante acima da meta preferencial de 1,5°C estabelecida pela comunidade internacional no Acordo de Paris e do limite considerado pelos cientistas para impedir os piores efeitos das mudanças climáticas.
As conclusões são do novo relatório anual da AIE (Agência Internacional de Energia), lançado a menos de um mês do início da COP29, a convenção do clima da ONU, que acontece entre 11 e 22 de novembro em Baku, no Azerbaijão.
“Em muitas partes do mundo, os eventos climáticos extremos, intensificados por décadas de emissões elevadas, já estão colocando desafios profundos para a operação segura e confiável dos sistemas energéticos, incluindo ondas de calor cada vez mais severas, secas, inundações e tempestades”, diz o documento, divulgado nesta quarta-feira (16).
Com base nas políticas atuais, as projeções do relatório indicam que o mundo está prestes a entrar em um novo contexto de mercado energético, marcado por contínuos riscos geopolíticos, mas também por uma oferta relativamente abundante de diferentes combustíveis e tecnologias.
“Na segunda metade desta década, a perspectiva de uma oferta mais abundante —ou mesmo excedente— de petróleo e gás natural, dependendo de como as tensões geopolíticas evoluírem, nos colocaria em um mundo energético muito diferente do que experimentamos nos últimos anos durante a crise energética global”, disse Fatih Birol, diretor executivo da AIE.
Segundo ele, essa situação poderia representar algum alívio nos preços para os consumidores, além de uma oportunidade para a revisão dos atuais mecanismos de apoio às fontes poluidoras.
“O espaço de respiro diante da pressão dos preços dos combustíveis pode dar aos formuladores de políticas a oportunidade de focar no aumento dos investimentos nas transições de energia limpa e na remoção de subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis. Isso significa que as políticas governamentais e as escolhas dos consumidores terão enormes consequências para o futuro do setor energético e para o combate às mudanças climáticas.”
O levantamento revelou ainda que as fontes de energia com baixas emissões estão entrando em ritmo recorde no sistema energético. Em 2023, foram adicionados mais de 560 gigawatts (GW) de nova capacidade de energias renováveis.
Os investimentos também estão crescendo de forma acelerada, com os fluxos destinados a energias limpas se aproximando dos US$ 2 trilhões, “quase o dobro do valor combinado gasto em novas fontes de petróleo, gás e carvão”.
Depois de um aumento durante a pandemia da Covid-19, os custos da maioria das tecnologias de geração de energia renovável estão retomando uma trajetória de queda.
Embora isso contribua para ampliar a geração de energia renovável dos atuais 4.250 GW para quase 10 mil GW em 2030, no cenário de políticas declaradas (já oficialmente anunciadas ou implementadas pelos governos), a projeção ainda está aquém da meta estabelecida na COP28, no ano passado, que era de triplicar essa capacidade.
O resultado, porém, é “mais do que suficiente, em conjunto, para cobrir o crescimento da demanda global por eletricidade e impulsionar o declínio da geração de energia a carvão“.
“Juntamente com a energia nuclear, que está sendo objeto de um renovado interesse em muitos países, as fontes de baixa emissão estão previstas para gerar mais da metade da eletricidade mundial antes de 2030″, destaca o relatório.
O documento alerta, contudo, que a implantação das energias renováveis está longe de ser uniforme no planeta.
A China sozinha foi responsável por 60% da nova capacidade de energias renováveis adicionada em todo o mundo em 2023. Estima-se que a geração de energia solar fotovoltaica do país está a caminho de exceder, no início da década de 2030, toda a demanda atual de eletricidade dos Estados Unidos.
A Agência Internacional de Energia salienta que, tanto na China quanto no resto do mundo, existem questões em aberto sobre a “rapidez e a eficiência com que essa nova capacidade de renováveis pode ser integrada aos sistemas elétricos, e se as expansões das redes e os tempos de licenciamento acompanharão esse ritmo”.
De acordo com o documento, a incerteza política e o alto custo de capital estão retardando projetos de energia limpa em muitas economias em desenvolvimento.
Ar-condicionado e inteligência artificial
O relatório da AIE mostra ainda que a demanda global por eletricidade disparou. Na última década, o uso de eletricidade cresceu ao dobro do ritmo da demanda energética, sendo que dois terços do aumento global nesse período vieram da China.
“Seja em investimentos, demanda por combustíveis fósseis, consumo de eletricidade, implantação de energias renováveis, mercado de veículos elétricos ou fabricação de tecnologias limpas, estamos agora em um mundo onde quase todas as histórias de energia são essencialmente uma história sobre a China”, disse o diretor executivo da AIE.
A alta demanda é puxada globalmente, entre outros pontos, por aparelhos de ar-condicionado. Eles serão, segundo a agência, um dos maiores e mais imprevisíveis fatores que afetarão as redes elétricas nas próximas décadas.
O aumento das temperaturas devido às mudanças climáticas, combinado com a melhoria nos níveis de renda em países em desenvolvimento, levará a um crescimento significativo na demanda por climatização.
A ampliação no uso dos condicionadores de ar deve superar, em volume de energia, o consumo total de eletricidade de regiões inteiras, como o Oriente Médio. Esse crescimento será impulsionado principalmente pelo maior acesso a esses aparelhos em regiões como a África, Ásia e América Latina.
O relatório menciona ainda que o aumento no uso de data centers, impulsionado em parte pelo ascensão do uso das ferramentas de inteligência artificial, está começando a ter impactos na demanda por eletricidade, embora ainda se trate uma parcela relativamente pequena do crescimento.