Se o processo para a Petrobras perfurar o bloco 59 da Foz do Amazonas está em análise há uma década, o novo tipo de licença ambiental especial (LAE), proposta pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), pode fazer com que novas autorizações na região ocorram em um prazo máximo de um ano —sujeitas a decisões políticas e ignorando riscos ambientais.
Alcolumbre emplacou uma emenda que cria esse novo tipo de procedimento no projeto de lei, em trâmite no Congresso, para flexibilizar e simplifica o licenciamento no Brasil, como revelou a Folha.
A proposta passou pelo Senado na última quarta-feira (23) e deve avançar na Câmara, onde a bancada ruralista pretende aprová-la até julho.
Se aprovada e sancionada pelo presidente Lula (PT) como está, as novas regras poderão acelerar o processo já para outros 47 blocos da Foz do Amazonas que vão a leilão em junho. O governo aposta nos pregões de petróleo para aliviar as contas do governo.
Nesse novo tipo de licenciamento, o chamado Conselhão de governo, órgão de assessoramento político do presidente, indica projetos considerados estratégicos. Os empreendimentos então se tornam prioritários dentro do órgão licenciador, e podem tramitar com uma análise muito mais simples e rasa que a comum, independentemente dos seus riscos à natureza.
E essa avaliação, segundo o projeto —que ainda pode ser alterado na Câmara— teria prazo máximo de 12 meses.
“Esses prazos são inexequíveis. Os órgãos ambientais têm milhares de projetos na carteira, fazem monitoramento pós-licença”, diz Suely Araujo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima. “Não dá para estabelecer esse tipo de prazo. O que querem, sabemos, é pressão política, mas não dá para entender o rito da LAE, o que tem de informação [no projeto] é muito pouco”.
A autorização para Petrobras perfurar o bloco 59 da Foz do Amazonas está há uma década em análise pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). A tentativa de exploração de petróleo na Margem Equatorial é ponto de tensão interna do governo Lula, e antagoniza a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, que é contra a ideia, ao de Minas e Energia, Alexandre Silveira.
A licença para este bloco, hoje em disputa dentro do governo, pode determinar o sucesso, ou não, do leilão da ANP (Agência Nacional de Petróleo) marcado para junho, quando outros 47 pontos da bacia serão ofertados —além de outras áreas da costa brasileira.
O setor avalia que, se até lá a Petrobras não conseguir autorização do Ibama para a perfuração no bloco 59, o pregão pode ser um fracasso.
Este cenário pressiona Silveira, uma vez que, conforme mostrou a Folha, a arrecadação com ele é vista no governo como um meio de aliviar as contas públicas na gestão Lula, diante do cenário de restrição orçamentária.
O leilão da ANP está marcado para 16 de junho, porque a autorização para oferta dos blocos da Foz do Amazonas e demais bacias vence no dia seguinte, 17.
O que não for arrematado, precisa passar por processos internos para ser habilitado novamente, o que praticamente inviabiliza que essa receita entre nos cofres ainda no atual governo Lula —que, por isso, corre contra o tempo para aumentar a atratividade do atual pregão.
A Folha procurou o Ministério de Minas e Energia, a ANP e a Petrobras, mas não obteve resposta.
Para o presidente do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gas), Roberto Ardenghy, o novo processo de licenciamento, se já estiver aprovado, será um diferencial para aumentar a atratividade do leilão.
“A grande dúvida das áreas de Foz não é a prospectividade, ou seja, se tem ou não óleo. Já há descobertas na Guiana Francesa, no Suriname, a bacia sedimentar tem alta prospectividade”, diz.
Ele pondera que não é possível saber o que será classificado como estratégico, nem se o texto será aprovado, mas a movimentação já anima o setor.
“O Congresso mandou a mensagem de que quer mais agilidade no processo de licenciamento”, diz. “[Mas] dizer que o conselho de governo vai incluir óleo e gás como estratégico é especulação, tem que ver como este regime novo vai ser aprovado e o que vai ser considerado”, completa.
O projeto que flexibiliza o licenciamento ambiental foi publicamente criticado por Marina Silva e seus aliados, mas acabou avançando sem que o governo oferecesse resistência no Congresso Nacional.
A exploração de petróleo na Foz do Amazonas tem entre seus defensores Silveira, Alcolumbre, o próprio Lula e também o ministro da Casa Civil, Rui Costa.
Em entrevista ao jornal Valor Econômico, a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, afirmou que, além do bloco 59, a estatal também pretende explorar mais sete locais na bacia.
Um especialista em licenciamento ambiental, que preferiu falar de forma reservada, pondera que o texto ainda pode demorar para ser aprovado e sancionado, e pode ter trechos vetados —como mostrou a Folha, há dispositivos que contrariam decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).
Também sob reserva, um representante do setor afirma ser plausível prever, diante do cenário atual, que a LAE já estará implementada quando os blocos do leilão da ANP ou os outros sete da Petrobras estiverem aptos para iniciar o licenciamento ambiental.
O licenciamento é uma análise dos possíveis impactos ambientais de empreendimentos como obras de infraestrutura ou exploração de petróleo e minérios.
A autorização para exploração de petróleo passa por uma série de etapas. Primeiro a análise geológica (chamada de sísmica), depois a perfuração (fase na qual está o bloco 59 da Petrobras), depois o desenvolvimento e, por fim, a produção comercial.
Cada uma dessas etapas precisa de um licenciamento específico pelo Ibama, que atualmente exige uma série de estudos de impacto ambiental e robustos planos de proteção a animais e de resposta a emergências.
Pela LAE, porém, há brecha inclusive para que o EIA (Estudo de Impacto Ambiental, a principal pesquisa do licenciamento) seja dispensado, se assim determinar a autoridade responsável.
Segundo o projeto, o órgão ambiental deve elaborar um termo de referência no qual escolhe quais exigências serão feitas ao empreendedor, e outros órgãos precisam ser ouvidos apenas “quando for o caso”.
A análise terá apenas um parecer técnico e a licença, se emitida, vale de cinco a dez anos.