De tão estreita e escondida, a rua onde o empresário Joel Leite, 57, mora impõe desafios a entregadores e motoristas de aplicativo para encontrá-la, apesar de estar entre às movimentadas Teodoro Sampaio e Cardeal Arcoverde, em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo.
A via, com pouco mais de 200 metros, é uma das poucas remanescentes com o perfil de sobrados residenciais ainda intacto em um dos bairros da cidade que mais sofreu verticalização nos últimos anos.
Há pouco mais de um ano, o trecho pacato entrou em processo de tombamento como parte da estratégia deflagrada por moradores indignados com a descaracterização do bairro e contrários a novas demolições para a construção de prédios.
A maioria dos donos de imóveis da mesma rua do empresário Joel Leite, porém, é contra, segundo ele. “Bati de porta em porta para localizar todos.” Dos 54, 37 aderiram ao movimento contrário ao tombamento.
Além da ruela, outros nove trechos de Pinheiros estão listados em processos de tombamento iniciados em novembro do ano passado. Em comum, são quarteirões horizontalizados, onde predominam casas e prédios baixos, características que devem ser mantidas diante da especulação imobiliária, segundo os autores dos pedidos de tombamento que abrange cerca de 900 imóveis.
Parte dos processos foi arquivada em reunião recente do Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo), em que os membros votaram contra o tombamento de cerca de 70 imóveis em Pinheiros, com exceção das escadarias das ruas Alves Guimarães e Cristiano Viana, além de algumas casas na região.
“Por se tratarem de imóveis descaracterizados, ou seja, que passaram por reformas ou obras que alteraram a sua concepção original, os processos foram arquivados”, disse a Secretaria Municipal de Cultura da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB).
Argumentar favoravelmente a um amplo tombamento de Pinheiros é desafiador porque a mancha urbana que compõe o bairro é demasiadamente heterogênea, segundo a urbanista Danielle Santana, representante do IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil) no Conpresp.
A falta de uniformidade entre os imóveis dá argumentos para grupos contrários à preservação contestarem a representatividade de vizinhanças inteiras como exemplares históricos da urbanização da cidade, diz a integrante do IAB, que tem se posicionado a favor do tombamento. “O que temos conseguido é tombar pontualmente alguns imóveis”, diz.
Morador da rua há 27 anos, o empresário argumenta que, caso aprovado, o tombamento desvaloriza os imóveis. “É uma interferência que não vamos ter integralidade de posse da nossa propriedade. Quero ter a liberdade de trocar uma janela se eu quiser.”
A decisão sobre a transformação das 54 casas em patrimônio histórico será votada pelo órgão de preservação histórica do município nesta segunda-feira (2). “Para nós, não há benefício nenhum, só prejuízos”, diz.
Uma vez aprovado, o tombamento não impede alterações no imóvel, mas torna obrigatório submetê-las aos órgãos de patrimônio histórico. Além de ter isenção parcial do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), os donos de bens preservados estão sujeitos a multas de até dez vezes o valor do imóvel caso altere as características sem autorização. Qualquer pessoa pode fazer um pedido de tombamento ao Conpresp.
Situada no bairro há mais de 20 anos, a publicitária Rosanne Brancatelli, 61, e uma das coordenadoras do movimento Pró-Pinheiros, é favorável ao tombamento. Presente em reuniões do Conpresp que discutem o tema, ela defende a transformação das casas em patrimônio como uma espécie de antídoto contra a verticalização do bairro.
“O que a gente tem é pouco. E esse pouco tem que ser preservado. É o estilo de vida desse bairro. Esse estilo de vida, esse lado atraente de Pinheiros, que atrai tanta construtora, está sendo dizimado pelas próprias construtoras.”
O incentivo à verticalização na cidade ganhou força com a aprovação do Plano Diretor Estratégico, em 2014, que passou a permitir prédios maiores, alguns sem limite de altura, se construídos próximos a corredores de ônibus e estações de metrô e trem. A revisão realizada em 2023 ampliou esses incentivos.
Pinheiros está localizado em um dos eixos com ampla oferta de corredores de ônibus e estações de metrô e, por isso, possui regras de zoneamento favoráveis à construção de grandes prédios. Isso torna o bairro ainda mais valioso para investimentos do mercado imobiliário.
De toda área mapeada como pontos de interesse de tombamento pela Pró-Pinheiros, chamado de Vila Cerqueira César, o trecho batizado de Quadrilátero Vilas do Sol está mais perto de ser transformado em patrimônio histórico.
O quarteirão entre as ruas Pascoal Del Gaizo, Estela Sezefreda, Mateus Grou e Virgilio de Carvalho Pinto formam uma espécie de oásis de construções baixas em meio ao paliteiro de prédios ao redor.
No pequeno trecho da cidade, há imóveis residenciais, pequenas lojas e restaurantes. Segundo Majory Imai, integrante do Pró-Pinheiros, “é um dos únicos buraquinhos a céu aberto que sobraram no bairro”. “Precisa ser preservado porque tem uma ambiência, tem a parte verde feita com apoio de todos os vizinhos, moradores há muito tempo do mesmo lugar.”