Pesquisadores brasileiros conseguiram usar bactérias para neutralizar possíveis efeitos negativos do aquecimento global em plantas forrageiras, um avanço que pode impactar o futuro da agropecuária no Brasil.
O estudo, realizado no campus da USP em Ribeirão Preto (a 313 km da cidade de São Paulo), simulou condições futuras de aumento de temperatura e avaliou a resposta de gramíneas antes e depois da inoculação com as bactérias Azospirillum brasilense e Pseudomonas fluorescens.
Liderada pelo professor Carlos Alberto Martinez, do Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, a pesquisa foi publicada em março no periódico Science of the Total Environment.
O modelo tomou como base a possibilidade de um aumento de até 2ºC na temperatura do planeta, um cenário que ultrapassaria a meta preferencial do Acordo de Paris, de 1,5ºC e que tem probabilidade de ocorrer.
“Os resultados de dez anos de pesquisa indicam que um dos principais efeitos do aumento da temperatura e da deficiência hídrica será a redução na produção e na qualidade das pastagens, que se tornará menos proteica, mais fibrosa e, portanto, de digestão mais demorada”, afirma Martinez.
O alimento nessas condições, diz o docente, exige que o gado consuma mais alimento para atingir o peso de abate, resultando em elevação dos custos de produção e das emissões de metano por esses animais.
O que é um laboratório de aquecimento global?
O Laboratório de Mudanças Climáticas construído na USP é voltado para o agro e foi montado em 2011 com plantas denominadas Trop-T-FACE. O espaço simula efeitos do aumento do CO2, de temperatura e menor oferta de água em forrageiras gramíneas e leguminosas utilizadas na pecuária brasileira.
Em uma área plantada a céu aberto, o desenvolvimento da semente é influenciado e monitorado com equipamentos de ponta, como o LI-6800 (para avaliar a fotossíntese) e o LI-1800 (voltado à respiração do solo).
“Pretendemos gerar uma base científica para um melhor manejo das pastagens e contribuir com Agricultura de Baixo Carbono, recuperação de pastagens degradadas, a fixação biológica de nitrogênio, a integração lavoura-pecuária-floresta e a adaptação às mudanças climáticas”, diz Martinez.
Sistemas similares ao Trop-T-FACE existem nos Estados Unidos, mas a abordagem da USP, segundo o docente, é pioneira no Brasil. O projeto teve financiamento de entidades como Fapesp, CNPq, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e Agência Nacional de Águas.
Como as bactérias tornam o pasto resistente
O uso de bactérias promotoras de crescimento vegetal como biofertilizantes em culturas de leguminosas como a soja, feijão, entre outras, é uma prática já bastante utilizada na agricultura brasileira.
“No entanto, o uso de inoculantes para pastagens e culturas de gramíneas como o milho, sorgo, cana de açúcar é algo emergente dentro do sistema de produção dessas culturas”, diz Martinez.
Promotoras do crescimento de plantas, as bactérias avaliadas pela USP atenuaram os impactos negativos do aquecimento sobre a fotossíntese e também no crescimento e no valor nutricional no pasto típico da pecuária brasileira.
O estudo avaliou uma planta híbrida chamada Brachiaria mavuno, amplamente usada na pecuária. Os exemplares inoculados com as bactérias foram expostos a um ambiente até 2°C mais quentes e mantiveram taxas fotossintéticas 15% maiores, além de apresentarem 38% a mais de proteína bruta, tanto em estação seca quanto na chuvosa.
Contribuíram ainda para melhor digestibilidade, com redução de até 22% na lignina —componente que dificulta a absorção de nutrientes pelo gado. Os equipamentos de ponta do laboratório permitiram monitorar respostas fisiológicas em tempo real.
A publicação dos resultados indica que, em condições de seca, as plantas inoculadas recuperaram a fotossíntese em menos de 24 horas após a reidratação.
A pesquisa da USP já chama a atenção de empresas. A Wolf Sementes, por exemplo, foi parceira do projeto que desenvolveu a B. mavuno , híbrido com rebrote mais rápido e mais resistente às mudanças climáticas e ao estresse hídrico.
Embora representem menos de 5% do mercado, a empresa afirma que esses modelos são vitais para a pecuária sustentável e para o futuro no campo.
O custo de aquisição da semente é mais alto, em torno de 50%, mas a empresa defende que utilizar cultivares melhores compensa financeiramente no médio e longo prazo. “A semente melhorada se paga com a produtividade ao reduzir tempo de abate e diminuir o risco de perdas por questões climáticas”, afirma Alex Wolf, CEO da empresa.