A mortandade sem precedentes de peixes em uma região de várzea do rio Amazonas no Pará, mostrada pela Folha, foi causada por baixos níveis de oxigênio na água, o que gerou uma “competição” entre os animais, em corpos hídricos que estavam com temperatura elevada, redução drástica de volume, altos valores de turbidez, diminuição de penetração da luz e decomposição de organismos.
A conclusão é do núcleo de monitoramento hidrometeorológico da Semas (Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade), do Governo do Pará, que divulgou nesta sexta-feira (29) o laudo técnico produzido após inspeção no local da mortandade de peixes.
O secretário estadual de Meio Ambiente, Raul Protázio, e técnicos da secretaria viajaram a Santarém, no oeste do Pará, e visitaram a comunidade igarapé do Costa, na várzea do rio Amazonas, diretamente afetada pela tragédia ambiental.
A visita foi feita na quarta (27), no dia seguinte à publicação da reportagem da Folha que revelou a dimensão da mortandade de peixes, as consequências a sete comunidades onde vivem 500 famílias e a ausência de respostas –até aquele momento– sobre as causas da tragédia ambiental. A reportagem esteve no local das mortes dos animais na sexta anterior (22).
O MMA (Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima) também comunicou a adoção de medidas após a publicação da reportagem. Segundo o ministério comandado por Marina Silva (Rede), um navio de pesquisa do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) será usado para a coleta de dados biológicos.
O laudo da Semas aponta que o oxigênio dissolvido no canal de Aramanaí estava na ordem de 0,15 mg/l, enquanto o normal é que não seja inferior a 5 mg/l.
“Os valores são extremamente baixos, indicando condições hipóxicas ou anóxicas, possivelmente resultantes de maior decomposição de matéria orgânica e menor circulação de água devido ao baixo volume”, diz o laudo. “Isso levou à mortandade de organismos aquáticos aeróbicos (exclusivamente dependentes de oxigênio dissolvido na água).”
Um evento climático extremo –a seca prolongada na região– levou a uma redução do volume do lago, e os baixos níveis de oxigênio na água foram a principal causa da mortandade de peixes, conclui o laudo. “A redução do oxigênio dissolvido é crítica para peixes e outros organismos aeróbicos.”
O laudo aponta ainda altos valores de turbidez, redução de penetração de luz (com consequências na fotossíntese), redução do espaço com a seca dos corpos d’água e competição por oxigênio.
“A morte e decomposição dos organismos na água gerou substâncias que pioraram as condições ambientais já comprometidas, como mudança de pH e disponibilização de alimento para bactérias que reduzem ainda mais os níveis de oxigênio”, cita o documento divulgado pela Semas.
Além de peixes, morreram jacarés, tartarugas e arraias. Havia um cheiro fétido nos lugares onde se acumulou a matéria orgânica, além de um mar de moscas. Uma mancha gigante no que restou de um igarapé era composta de animais mortos na superfície, que encobriam a água.
Era um cenário nunca antes visto –não nessas proporções– nessa parte da amazônia brasileira, a chamada várzea do rio Amazonas, a 30 minutos de Santarém em um barco com motor de alta potência.
No último dia 11, pescadores da comunidade igarapé do Costa começaram a notar uma mortandade de peixes que, ao longo dos dias seguintes, ganhou contornos assustadores.
Primeiramente, morreram peixes mais frágeis, como pescada, cujuba e bacuzinho. Depois, peixes com alto valor comercial e bastante consumidos na região, como o surubim. Por fim, os animais mais fortes e resistentes, como a pirapitinga e o gigante pirarucu, símbolo do manejo sustentável na amazônia.
Foi preciso resgatar quelônios que agonizavam em uma água sem vida e levá-los a poças ainda resistentes ao calor inclemente e à ausência de chuvas. Por dias seguidos, essa transferência foi feita por integrantes da comunidade.
No igarapé do Costa, não há mais lago, e o próprio igarapé virou um filete de água. O mesmo ocorreu com outros dois importantes cursos d’água, fundamentais para a subsistência de cerca de 500 famílias de sete comunidades: o igarapé do Pitomba e o canal de Aramanaí.
Pescadores faziam uma corrida contra o tempo para pescar animais ainda vivos no igarapé do Costa, como pirarucus. Dias antes, eles arrastaram toneladas de peixes mortos e dispuseram essa matéria orgânica em diversos montes na margem, para atear fogo em seguida.
A sensação de que a mortandade iria prosseguir, com novas ondas de perdas massivas de peixes e outros animais, era inevitável para quem mirasse a água. Peixes buscavam a superfície atrás de oxigênio, principalmente acaris; borbulhas espocavam em todo o horizonte da água que resta.
A região de Santarém está há dias sob densa fumaça, em razão de queimadas na floresta. O prolongamento da seca, sem chuvas, agrava o problema.
As reportagens da série Mudanças Climáticas na Amazônia contam com apoio da Rainforest Foundation Norway.