A bacia do rio Paraguai, que engloba todo o bioma do pantanal, registrou de 2023 a 2024 o pior volume de chuva da sua série histórica, iniciada no ano 2000, segundo o SGB (Serviço Geológico do Brasil). A precipitação média anual foi de 702 milímetros, semelhante à encontrada em regiões de clima semiárido no país (menor que 800 mm).
Se for considerada apenas a área do pantanal, o volume de chuva observado no bioma foi de 670 milímetros, muito inferior à média de 950 milímetros esperada para o ano, de acordo com dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Apesar da série histórica da bacia ser curta, com 25 anos de registros, outros dados corroboram para mostrar que a seca é sem precedentes, diz Marcus Suassuna, engenheiro hidrólogo do SGB.
No último dia 18 de outubro, o rio Paraguai atingiu o menor nível histórico na estação fluviométrica de Ladário (MS), monitorada desde o ano 1900. O recorde mínimo anterior havia sido registrado em 1964.
O levantamento sobre a precipitação durante o ciclo de chuvas, que vai de outubro a setembro, apontou para um déficit hídrico de 36% na bacia, uma vez que a média anual esperada é de 1.095 milímetros. O pantanal, porém, tem experimentado secas severas e prolongadas desde 2019.
Se somados os déficits dos últimos cinco anos, diz Suassuna, é como se a bacia, incluindo o pantanal, tivesse ficado um ano inteiro sem receber qualquer quantidade de chuva.
“É até um contraste imaginar que a maior planície alagável do planeta tem precipitações semelhantes à de regiões semiáridas do Brasil”, ressalta Ibraim Fantin, professor do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso).
Um exemplo da mudança no volume de água durante os anos é que, na última quinta (12), a altura do rio observada na estação de Ladário estava em 0,74 centímetros. Em 12 de dezembro de 2018, o rio já estava em 2 metros, caminhando para uma cheia.
Os especialistas afirmam que as secas cada vez mais extremas aumentam a probabilidade de incêndios no bioma, diminuem a biodiversidade e prejudicam os moradores, que precisam se adaptar a uma vida sem o volume hídrico do qual dispunham anteriormente.
As pastagens, a produção de alimentos e o comércio naval também são fortemente impactados.
“O pantanal tem variações cíclicas de períodos mais secos, mas elas estão sendo turbinadas pelas mudanças antrópicas [causadas pelo homem]. Então, em um cenário de longo prazo, ou até de curto prazo, teremos secas mais severas e mais prorrogadas. E o que podemos fazer? Nos adaptar”, diz Fantin.
Assim como a precipitação deste ano foi semelhante à do semiárido, as técnicas dos pantaneiros para sobreviver começam a se aproximar das usadas pelos sertanejos.
Já que as chuvas estão cada vez mais fortes e concentradas, eles têm aprendido a guardar água com cisternas e barragens, diz Fantin. Mas a qualidade da água ainda é uma preocupação para o pesquisador.
De acordo com ele, os moradores de cidades que enfrentam a seca têm cavado fossos para aproveitar a água subterrânea, que muitas vezes está contaminada pelos minérios abundantes no bioma.
“Já estou vendo o pantanal minguando”, diz Eduardo Rosa, coordenador de mapeamento do pantanal no MapBiomas.
Ele participou de uma pesquisa sobre os incêndios no pantanal publicada em agosto deste ano junto ao World Weather Attribution, grupo internacional colaborativo de pesquisadores que estudam os eventos climáticos extremos.
Junho de 2024 registrou um pico de incêndios excepcional, com uma estimativa de 440 mil hectares queimados em um mês. Em junho de 2023, foram 257 mil hectares, enquanto a média mensal é de cerca de 8.300 hectares.
No estudo, os cientistas descobriram que a mudança climática foi responsável por um aumento de 40% na intensidade do fogo. O trabalho também indicou uma tendência crescente de seca, com os picos de incêndio cada vez mais frequentes à medida que a temperatura global se eleva.
A reportagem viajou a convite do 1º Encontro de Jornalismo Socioambiental do Sesc Pantanal.