A palavra de 2024 no Brasil, chantagem, é um substantivo feminino que chegou à língua portuguesa em fins do século 19, vinda do francês “chantage”. A “pressão exercida sobre alguém para obter dinheiro ou favores mediante ameaças” demorou todo esse tempo para subir na vida.
Por mais de um século, a palavra frequentou o vocabulário das ações moralmente condenáveis, como na “chantagem emocional”, ou mesmo francamente criminosas, caso em que era um sinônimo de “extorsão” (artigo 158 do Código Penal, pena de reclusão de quatro a dez anos).
Como se isso não bastasse, o pobre vocábulo ainda sofria assédio dos puristas –aquela gente esquisita que, não tendo nada mais útil para fazer, se dedicava a patrulhar a língua do dia a dia à caça de estrangeirismos.
Alegavam eles que a chantagem era um galicismo (era mesmo, e daí?) e que portanto deveria ser sumariamente eliminada da língua portuguesa, substituída pelo termo castiço “extorsão”.
Houve até quem apelasse para a chantagem com os falantes que usavam a palavra, ameaçando-os com os risinhos de mofa e as sobrancelhas arqueadas da condenação social. Mesmo assim, como os puristas nunca deram uma dentro na vida, a chantagem ficou.
No próprio francês o substantivo era de criação recente, registrado pela primeira vez nos anos 1830, e não se confundia inteiramente com “extorsion” –que também lá, como aqui, existia havia séculos. A nova palavra vingou porque adicionava nuances (outro galicismo) a ações escusas que iam se sofisticando: se a extorsão era o resultado, a chantagem era o meio.
Era curiosa a história da palavra. Vinha do verbo “chanter”, cantar, com o acréscimo do sufixo “- age”. A associação pode parecer estranha, mas fica mais clara quando se sabe que existia desde o século 17 em francês a expressão “faire chanter”, isto é, fazer cantar.
Seu sentido, de levar alguém (um criminoso) a confessar, é facilmente compreensível: num uso informal, cantar também tem em nosso idioma esse sentido de dar com a língua nos dentes, delatar, denunciar os companheiros ao inimigo.
Se isso ainda parece insuficiente para explicar a chantagem, acrescente-se uma extensão de sentido baseada na ideia de algo que se obtém por meio de ameaças.
Hoje, por fim, a chantagem chegou às mais altas esferas do poder no Brasil. Tornou-se não só uma atividade oficial, exercida pelo Congresso Nacional contra o Executivo à luz do dia, como também multibilionária.
Por meio da chantagem aberta, deputados e senadores se unem numa frente ampla no encalço de uma meta ambiciosa que o velho patrimonialismo brasileiro não ousou sonhar –o sequestro do orçamento federal como um todo, sem precisar nem dizer onde se vai gastá-lo.
A chantagem tem um último obstáculo a vencer: a resistência obstinada de um ministro do Supremo Tribunal Federal. Flávio Dino insiste em cobrar transparência das emendas parlamentares, onde já se viu?
Saber se o dinheiro dos contribuintes será gasto em dentaduras para os eleitores de certo deputado ou num contrato com a empresa da mulher de outro é da conta dele? O cara até parece acreditar que o Brasil ainda é presidencialista.
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