Um estudo sobre a HPN (Hemoglobinúria Paroxística Noturna), doença rara no sangue, revelou que a distância média do local onde os pacientes moram até os centros de tratamento foi de 101,1 km.
Houve variação significativa de acordo com as regiões do Brasil, sendo maiores as distâncias no Norte (615,9 km) e Nordeste (144,4 km). Participantes das regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste precisaram percorrer em média 86,4 km, 64,4 km e 37,1 km, respectivamente.
A distância afeta diretamente a qualidade de vida do paciente, que precisa receber o medicamento a cada 14 dias. Isso significa que pelo menos duas vezes no mês é necessário o deslocamento para um centro de tratamento do SUS (Sistema Único de Saúde) que faça a administração do remédio.
Apresentada no mês passado no Congresso Brasileiro de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular, a pesquisa analisou dados de janeiro de 2010 a dezembro de 2023 de 714 pacientes diagnosticados com a HPN no Brasil a partir de informações disponíveis no DataSUS (Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde).
De acordo com o Ministério da Saúde, a HPN tem uma incidência anual estimada em 1,3 novos casos a cada 1 milhão de pessoas. É uma anemia hemolítica crônica causada por um defeito na membrana das hemácias (células do sangue) e costuma afetar pessoas acima de 20 anos.
Os pesquisadores mediram a distância entre a moradia e o centro de tratamento de 376 pessoas. Segundo o hematologista Rodolfo Cançado, coautor do estudo, pacientes que vivem em regiões com menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) tiveram que viajar distâncias maiores.
A HPN é causada por uma mutação genética adquirida, ou seja, as pessoas não nascem com a doença. Para o especialista, a raridade da condição causa uma falta de conhecimento, o que resulta em diagnósticos tardios.
“Isso impacta negativamente na qualidade de vida, na rotina de trabalho e na rotina do estudo, além de que os pacientes não recebem ajuda financeira do governo para o deslocamento”, afirma Cançado.
Segundo Cançado, mais de 25% dos pacientes do Brasil demoram mais de cinco anos para confirmar o diagnóstico. Ele diz que, até 2017, a taxa de mortalidade 10 anos após o diagnóstico costumava ser de 50%.
Essa taxa diminuiu após a aprovação do medicamento eculizumabe no Brasil, primeiro remédio específico para tratar a doença no país. Em 2018, o tratamento foi incluído no SUS e passou a ser disponibilizado em 2019.
A engenheira Regina Furuta, 48, foi diagnosticada com a doença em 2015, quando o Brasil ainda não tinha um medicamento específico aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para combater a HPN. Então, ela era medicada com anticoagulantes e fazia reposição de vitaminas.
Quando a Anvisa aprovou o eculizumabe, ela entrou com uma ação na Justiça para conseguir acesso ao medicamento pelo sistema público. Começou o tratamento um ano depois. “O remédio praticamente mudou minha vida, porque eu sentia muitas dores no corpo e muita dor de cabeça. Depois do medicamento eu descobri o que é viver sem dor”, relata.
Por morar em São Paulo, Regina não precisa viajar longas distâncias para chegar a um centro de tratamento. Mas ela ainda tem que se ausentar do trabalho duas vezes no mês, porque o remédio precisa ser administrado em dias úteis e em horário comercial.
Já para a aposentada Lúcia Cavalcante, 60, o maior problema é ter que fazer duas viagens no mês de cerca de 134 km de Curionópolis para Marabá, cidades do interior do Pará. A cada três meses, ela ainda tem uma outra viagem de 617 km para fazer consulta com um especialista na capital Belém.
Nas viagens, Lúcia é sempre acompanhada pela filha, Gercica Cavalcante, 33. A passagem para Marabá, onde a aposentada recebe o medicamento, custa R$ 50. Por mês, as duas gastam R$ 400 somente com o percurso, além de outros gastos com comida e transporte.
A paraense descobriu a HPN com 55 anos de idade, em 2018, quando, de repente, passou a sentir fraqueza e a notar a pele amarelada e a urina escura. Ela recebe o remédio em 2023.
“Melhorou 100% a minha vida. Eu tinha uma fraqueza muito grande, não conseguia fazer nada, hoje eu lavo roupa, limpo minha casa sem dor nenhuma. E o remédio não tem nenhum efeito colateral.”
Um outro medicamento para a HPN é o ravulizumabe, já aprovado pela Anvisa em 2023. O remédio permite uma maior qualidade de vida ao paciente, que precisaria ir até o centro de tratamento apenas uma vez a cada dois meses, mas ainda não está disponível no SUS.
Procurado, o Ministério da Saúde informou que o ravulizumabe recebeu, neste ano, recomendação favorável da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde) para incorporação no SUS.
“Com essa decisão, o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), que orienta o diagnóstico, acompanhamento e tratamento, está em fase de atualização e foi discutido na última reunião da Conitec, em outubro”, diz a nota do ministério.
Após a reunião da comissão, a atualização do PCDT foi submetida a consulta pública em 30 de outubro. As contribuições serão recolhidas até 18 de novembro e analisadas para a elaboração de uma recomendação final da Conitec.
Somente após essas etapas, será feito o encaminhamento para a publicação do PCDT e efetiva incorporação no SUS.