Um dia, perto de completar 30 anos, um amigo disse nunca ter pensado sobre as rugas que apareceriam em seu rosto ou a flacidez que tomaria seu corpo. Imagine existir sem se preocupar como sua imagem te coloca diante do mundo.
Daquela conversa viajei para uma memória que nem deveria existir. Em uma cama de casal, uma menina olhava no espelho com repulsa. Com 4 anos, encarava o que chamava de “pelancas” em seus braços estendidos ao lado do corpo. Chorava, chamando sua mãe, e então segurava as dobrinhas da barriga. Me ajuda a emagrecer?
Foi quando comecei a adaptar brincadeiras para que, sozinha, escondida, pudesse mexer o meu corpo e, com sorte, diminuir o peso na balança. Já tinha escutado que massas e doces engordavam, e passei a restringir a minha alimentação –o que deu lugar a episódios de compulsão alimentar e vômito forçado.
Para tantas Aninhas, engordar pode ser devastador. Inevitavelmente a velhice amedronta desde a infância. O medo brota ao saber que, entre rugas e dores nas costas, ela altera nosso metabolismo. Enquanto isso, os meninos jogam futebol, brincam sem camiseta, e riem de sons de arrotos forçados. Como deve ser.
Mas ser uma menina é equilibrar o fardo de descobrir que a sua aparência é e será cada vez mais insuficiente. Está dado, você pensa, enquanto assiste mãe, avó e irmã refletirem amargamente em frente ao espelho. Se as mulheres que amo e de quem sou cópia inegável têm tantos defeitos, como eu poderia escapar? Elas não inventaram o auto-ódio, mas aos poucos nos contam que suas aparências encapsulam seus valores. Agora reproduzem insultos e comentários maldosos sem prever o estrago que pode vir.
Não à toa, aos dez, já num quadro de bulimia, eu sentia medo de ter os quadris como os da minha mãe. Mas como “depois dos filhos a mulher fica com o quadril mais largo”, já deixei anotado: nada de filhos para mim.
E para não errar como a Helô Pinheiro (a Garota de Ipanema, hoje com 81), que, como me disse uma tia, “cuidou tanto do corpo mas está cheia de rugas”, mergulhei em hidratantes desde os 12. Melhor garantir, porque ouvi que o colágeno acaba depois dos 25. Enquanto isso, alguns dos meus maiores inimigos já estavam ali: uma barriga que dobra e braços com gordura. Não tem jeito: perdi essa corrida contra o tempo ainda criança. Mas decidi que até os 20 eu teria o corpo que sonhei. Não tive. Nem aos 30.
Se você é mulher, sabe que “depois dos 30 é muito difícil emagrecer”. Então é melhor perder peso antes. E bastante, para poder engordar depois. Deus me livre de ser uma dessas mulheres “ridículas” que não escondem as pernas com varizes, celulite e flacidez.
Mas não deu. A cada ano me torno mais ridícula em minhas saias curtas para sobreviver ao fim dos tempos. E mesmo com medo do que vêm, de forma irreversível, à frente, tento resistir às fórmulas mágicas para emagrecer e parecer mais jovem. Me divido entre a ânsia pelo próximo botox e a tristeza por odiar o que vejo no espelho há tanto tempo.
Até consigo me alegrar, com a esperança de que aos 80 as memórias mostrem coisas mais importantes do que minha aparência, como os momentos em que sorri, abracei, amei e todos os clichês tão incontestáveis como envelhecer.
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