Depois do indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de mais 36 pessoas por suposto golpe de Estado pela Polícia Federal (PF), nesta quinta-feira (21), o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF), vai receber o relatório – com aproximadamente 800 páginas – e enviará o caso para a análise da Procuradoria-Geral da República (PGR).
O órgão terá 15 dias para decidir se arquiva, aceita ou pede novas diligências. Com isso, essa etapa poderá ser concluída até dezembro, antes do início do recesso judiciário, no dia 20 do próximo mês. A tendência é de que o PGR, Paulo Gonet, ofereça a denúncia, mas só a apresente no ano que vem.
“Após o indiciamento, o caso deverá ser apresentado ao PGR para que este avalie se os indícios de crime são ou não robustos e os denuncie, abrindo-se um processo criminal contra os envolvidos. Até agora, ninguém está sendo processado, ninguém é réu. Trata-se de uma fase prévia, ainda investigativa”, explica o advogado constitucionalista André Marsiglia.
A advogada Beatriz Alaia Colin, especialista em Direito Penal, aponta que o indiciamento feito pela PF contra Bolsonaro e os demais não impõe uma obrigatoriedade por parte da PGR em oferecer a denúncia.
“A Polícia Federal identificou indícios, elementos, do envolvimento dessas pessoas nos crimes de organização criminosa e no crime de atentado contra o Estado Democrático de Direito. Mas o fato é que o Ministério Público não é vinculado a essa lista de indiciamento e fará suas denúncias de acordo com o seu convencimento se essas pessoas participaram dos atos”, afirmou Beatriz.
Se a PGR oferecer a denúncia, caberá ao STF definir se irá aceitá-la ou não. Em caso positivo, Bolsonaro e os outros 36, então, irão se tornar réus no processo.
Ao comentar o indiciamento feito pela PF, Bolsonaro reproduziu uma declaração sobre o indiciamento feito pela PF dada sobre o assunto ao portal Metrópoles. “O ministro Alexandre de Moraes conduz todo o inquérito, ajusta depoimentos, prende sem denúncia, faz pesca probatória e tem uma assessoria bastante criativa. Faz tudo o que não diz a lei”, afirmou no “X”.
E acrescentou: “Tem que ver o que tem nesse indiciamento da PF. Vou esperar o advogado. Isso, obviamente, vai para a Procuradoria-Geral da República. É na PGR que começa a luta. Não posso esperar nada de uma equipe que usa a criatividade para me denunciar”.
Já o advogado constitucionalista Fábio Tavares afirmou que a “narrativa disseminada carece de provas” e que a imputação dos crimes aos indiciados fragiliza o Estado de Direito.
“Essas acusações não apenas fragilizam o Estado de Direito, mas também representam uma ameaça à estabilidade democrática. Quando instituições públicas são usadas para promover narrativas políticas, o próprio sistema legal perde credibilidade”, afirmou Tavares.
Sobre uma eventual prisão preventiva do ex-presidente, Marsiglia considera que o ato seria uma “ilegalidade”, visto que não há ameaça por parte de Bolsonaro.
“A prisão preventiva de Bolsonaro seria uma ilegalidade, pois um dos principais requisitos da prisão é evitar que haja ameaça à ordem pública. Se os fatos são de 2022 e ele não está mais exercendo cargo de comando, não há nenhuma razão para que seja preso neste momento”, afirma o jurista.
Crimes citados pela PF no indiciamento
No relatório, a Polícia Federal indiciou o ex-mandatário e mais 36 pessoas por três crimes: golpe de Estado, que prevê pena entre 4 a 12 anos de prisão em caso de condenação; abolição violenta do Estado Democrático de Direito, com penas de 4 a 8 anos de prisão; e organização criminosa, com penas de 3 a 8 anos de prisão. Os 37 foram indiciados pelos três crimes.
Com relação aos dois primeiros crimes citados, a PF entende que Bolsonaro e os demais teriam infringido a Lei 14.197/2021, sancionada por ele mesmo durante seu governo para substituir a antiga Lei de Segurança Nacional (LSN).
A nova legislação, em seu artigo 359-L, considera crime “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. Já o artigo 359-M considera como crime “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”.
Em relação à terceira acusação, o documento da PF faz referência à Lei 12.850/13, conhecida como Lei de Organização Criminosa. O artigo 2° da normativa considera crime “promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”.
Para Fábio Tavares, o indiciamento carece de elementos objetivos que sustentem essas acusações. “A tipificação desses crimes exige, acima de tudo, atos concretos e provas robustas. Um golpe de Estado, por definição, pressupõe a utilização de força, armas, controle de instituições-chave e ruptura violenta com a ordem democrática. No entanto, nada disso se verificou”, afirmou.
Suposto plano de golpe citado pela PF
De acordo com a Polícia Federal, existia um planejamento operacional detalhado para ser executado em 15 de dezembro de 2022. O plano para o suposto golpe de Estado teria sido aprovado em uma reunião realizada na casa de Braga Netto em 12 de novembro daquele ano. Na ocasião, Rafael de Oliveira, preso recentemente, enviou a Mauro Cid o documento denominado “Copa 22”. Esse material apresentava a logística e o orçamento de uma ação a ser executada por um grupo de elite do Exército conhecido como “kids pretos“.
Entre 21 e 24 de novembro de 2022, dados de ERBs, equipamentos que permitem rastrear conexões entre celulares e companhias telefônicas, indicaram que já havia monitoramento dos passos do ministro Alexandre de Moraes. No dia 23, registros mostraram Hélio Ferreira, próximo ao STF, enquanto Moraes participava de uma sessão. Ele também foi preso na ação da PF desta terça (19), a Operação Contragolpe. Na mesma data, Rafael de Oliveira foi rastreado nas proximidades da casa do ministro.
Em 6 de dezembro, Cid, Oliveira, e Bolsonaro estiveram juntos no Palácio do Planalto no mesmo horário, segundo a PF. Ainda naquele dia, Mário Fernandes, também preso nesta terça-feira, imprimiu no Planalto o documento intitulado “Punhal Verde Amarelo”. Dois dias depois, em 8 de dezembro, celulares utilizados na operação foram ativados em Brasília.
Ainda de acordo com a PF, em 9 de dezembro de 2022, Bolsonaro teria realizado alterações em um decreto que ficou conhecido como “minuta do golpe” e também teria se reunido com o comandante do COTER, Estevam Theophilo. Em 10 de dezembro, Cid e Marcelo Câmara, assessor de Bolsonaro na época, trocaram mensagens sobre o deslocamento de Moraes durante a cerimônia de diplomação de Lula.
Por fim, em 15 de dezembro de 2022, a Polícia Federal diz que os investigados se posicionaram em locais estratégicos para executar o plano, mas a missão acabou sendo abortada.
Quem foi indiciado por suposta tentativa de golpe de Estado
Os 37 indiciados pela Polícia Federal por suposta tentativa de golpe de Estado são:
- Ailton Gonçalves Moraes Barros
- Alexandre Castilho Bitencourt Da Silva
- Alexandre Rodrigues Ramagem
- Almir Garnier Santos
- Amauri Feres Saad
- Anderson Gustavo Torres
- Anderson Lima De Moura
- Angelo Martins Denicoli
- Augusto Heleno Ribeiro Pereira
- Bernardo Romao Correa Netto
- Carlos Cesar Moretzsohn Rocha
- Carlos Giovani Delevati Pasini
- Cleverson Ney Magalhães
- Estevam Cals Theophilo Gaspar De Oliveira
- Fabrício Moreira De Bastos
- Filipe Garcia Martins
- Fernando Cerimedo
- Giancarlo Gomes Rodrigues
- Guilherme Marques De Almeida
- Hélio Ferreira Lima
- Jair Messias Bolsonaro
- José Eduardo De Oliveira E Silva
- Laercio Vergilio
- Marcelo Bormevet
- Marcelo Costa Câmara
- Mario Fernandes
- Mauro Cesar Barbosa Cid
- Nilton Diniz Rodrigues
- Paulo Renato De Oliveira Figueiredo Filho
- Paulo Sérgio Nogueira De Oliveira
- Rafael Martins De Oliveira
- Ronald Ferreira De Araujo Junior
- Sergio Ricardo Cavaliere De Medeiros
- Tércio Arnaud Tomaz
- Valdemar Costa Neto
- Walter Souza Braga Netto
- Wladimir Matos Soares
Saiba o que dizem as defesas dos indiciados pela PF por suposto golpe de Estado.
Terceiro indiciamento de Bolsonaro
Além do indiciamento por suposto golpe de Estado, Bolsonaro já foi indiciado neste ano em outras duas investigações da Polícia Federal: o caso das joias sauditas e a fraude no cartão de vacinas. Ambas as investigações aguardam parecer da PGR para terem andamento.
Em março, os investigadores concluíram que o ex-presidente e mais 16 pessoas participaram de um esquema que incluiu informações falsas sobre a vacinação contra a Covid-19 em um sistema do Ministério da Saúde para, supostamente, beneficiar o ex-presidente, parentes e auxiliares. O caso foi revelado em 2023 e atualmente está sendo avaliado pela PGR.
Sobre essa questão, a defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou à época que ele “jamais determinou ou soube” de qualquer adulteração do cartão de vacinação contra a Covid-19. Em nota, os advogados ressaltaram que é “público e mundialmente notório” que o ex-mandatário não fez uso de imunizantes “por convicções pessoais”.
“O ex-presidente jamais determinou ou soube que qualquer de seus assessores tivessem confeccionado certificados vacinais com conteúdo ideologicamente falso”, diz a nota da defesa. O comunicado foi assinado pelos advogados Fabio Wajngarten, Daniel Bettamio Tesser e Paulo Amador da Cunha Bueno.
Em julho, a PF indiciou Bolsonaro e outras 11 pessoas pela suspeita de apropriação indevida de joias dadas de presente pelo governo da Arábia Saudita, quando ele era presidente do Brasil. Segundo as investigações, parte das joias foi negociada nos Estados Unidos e o valor recebido teria sido incorporado a uma conta bancária do ex-presidente. Bolsonaro foi indiciado pelos crimes de associação criminosa, peculato e lavagem de dinheiro. O ex-mandatário sempre negou qualquer irregularidade.
Em nota à imprensa, o advogado Paulo Amador da Cunha Bueno, responsável pela defesa de Bolsonaro, afirmou que “os presentes ofertados à Presidência da República obedecem a um rígido protocolo de tratamento e catalogação, sobre o qual o Chefe do Executivo não tem qualquer ingerência, direta ou indireta, sendo desenvolvido pelo Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH), responsável por analisar e definir, a partir dos parâmetros legais, se o bem será destinado ao acervo público ou ao acervo privado de interesse público da Presidência da República”.