Como se aposentar aos quarenta anos? Era o título do vídeo que apareceu na tela, enquanto eu me entretinha, em meio ao trânsito de São Paulo, em plena segunda-feira.
Imediatamente questionei a sagacidade daquele algoritmo e sua reputação de espião de nossos hábitos mais íntimos e pensamentos mais secretos. Se o tal algoritmo fizesse jus ao nome, saberia que, do alto dos meus quarenta e um anos recém-completos, e com um imóvel financiado a ser quitado em cerca de vinte anos, o bonde de me aposentar aos quarenta já passou bem antes que eu completasse as quatro décadas. Afinal, eu fui uma consumista inveterada que, até os 27 anos, vivia afundada em dívidas.
Cliquei no vídeo movida por uma curiosidade mórbida, com plena consciência de que o conteúdo que se apresentaria na tela apenas confirmaria a minha total impossibilidade de dar adeus à vida de CLT.
O homem de barba tinha seus quarenta e poucos anos e deveria, portanto, ser um aposentado recente de acordo com sua própria estratégia. Em tom eclesiástico, pregava a palavra do investimento, ensinando seu rebanho que, poupando apenas cinquenta reais por mês, desde os quinze anos de idade, era possível chegar a um patrimônio capaz de “fazer o dinheiro trabalhar por você”. Tudo isso, claro, seguindo a estratégia de investimentos que ele mesmo ensinava em seu curso online –pago, claro.
Descartei o conteúdo como charlatão. Tratava-se de mais um desses “wanna be Faria Limer”, que vive de tirar dinheiro de gente que já não tem.
Mas não posso negar que o barbudo com sotaque de rico paulistano me causou um incômodo que tentei driblar durante todo o trajeto do Uber, me distraindo com conteúdos verdadeiramente anestésicos, como o da médica que espreme espinhas ou a “jet wash” limpando um chão coberto de lama.
Chegando ao meu destino, e com o incômodo ainda incomodando, me permiti formular a pergunta que meu cérebro tentava evitar: “Onde eu estaria se não tivesse gasto todo o meu dinheiro com roupa?”.
Talvez eu tivesse comprado um apartamento pequeno à vista e isso tivesse me feito economizar mais por não precisar pagar aluguel. Talvez, eu tivesse tirado um tempo do trabalho para estudar e isso, por sua vez, fizesse aquietar a voz da impostora que mora dentro de mim, o que talvez me desse confiança para buscar cargos mais altos e mais bem remunerados. Talvez eu tivesse investido em ideias que tive ao longo desses anos e que poderiam ter multiplicado exponencialmente o meu patrimônio.
Não foi o caso. Mas, como diz a minha sogra, se minha mãe fosse homem, eu teria dois pais. O “se” é e sempre será uma armadilha, nos oferecendo a sedutora ilusão de que conseguimos ver para onde as decisões que não tomamos nos levariam, e eu tento não me martirizar por minhas escolhas passadas.
A verdade é que eu não sei o que teria sido de mim se não tivesse gasto tudo o que ganhava enchendo o meu armário de roupas. Não sei se estaria mais feliz ou mais triste, se estaria me aposentando ou trabalhando ainda mais. Mas uma coisa é certa, eu teria mais dinheiro e, por mais que ele não compre felicidade, ele garante, especialmente a nós, mulheres, a possibilidade de dizer não. E isso não tem preço.
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